Scott Derrickson não é um diretor que repete a mesma ligação duas vezes. Em O Telefone Preto 2 , que chega aos cinemas nesta quinta-feira (16), o cineasta retorna ao universo que o consagrou, mas decide atender outro tipo de chamado: o da dor, da culpa e da difícil tarefa de crescer depois do horror. O resultado é uma continuação que, em vez de se apoiar em sustos fáceis, mergulha nas reverberações psicológicas do trauma, transformando o medo em metáfora e a assombração em espelho. Ao lado do roteirista C. Robert Cargill, seu parceiro habitual, Derrickson conduz a sequência com uma elegância rara no terror comercial. Ambos compreendem que o verdadeiro pavor, aqui, não vem do além, mas do que resta dentro de quem sobrevive. Finn, agora adolescente, vive em fuga de si mesmo — e cada gesto agressivo soa como um pedido de socorro mal disfarçado. Já Gwen, mais conectada com o sobrenatural, carrega o dom como maldição e bússola, guiando a narrativa entre o visível e o invisível. Foto: Divulgação/Universal Pictures A ambientação muda, o tom amadurece e o mal ganha novas formas. O acampamento, que deveria ser refúgio, torna-se palco para o retorno espectral do Sequestrador — um vilão que, mesmo morto, mantém presença hipnótica. Ethan Hawke surge mais simbólico do que concreto, uma figura que ultrapassa a fronteira entre espírito e lembrança, fazendo do terror algo quase espiritual. É notável como Derrickson subverte as regras do gênero. Ele flerta com os clichês — o cenário isolado, os administradores religiosos, o passado sombrio — mas se recusa a tratá-los como atalhos narrativos. Tudo o que poderia cair no previsível é ressignificado para servir à reflexão sobre o luto, a culpa e a necessidade de encarar o passado. Nesse jogo, até o que soa familiar ganha novo peso dramático. Foto: Divulgação/Universal Pictures A fotografia em Super 8 e o som arranhado remetem ao cinema dos anos 1980, mas há algo mais íntimo do que nostálgico nesse olhar retrô. É como se o diretor quisesse filmar o terror com textura de lembrança — uma memória que insiste em voltar e, a cada retorno, revela mais do que esconde. A frieza da paisagem, a granulação das imagens e o ritmo mais contemplativo reforçam o tom melancólico que substitui o susto pelo incômodo. Na estrutura narrativa, o longa se afasta do confinamento sufocante do original e expande o espaço — física e emocionalmente. Sai o porão, entra a vastidão gélida, onde os ecos do passado ainda reverberam. A sensação de aprisionamento dá lugar à de errância, e é nesse vazio que Derrickson encontra nova força: a liberdade de explorar os mesmos medos sob outra perspectiva. Foto: Divulgação/Universal Pictures A produção também dialoga com uma espiritualidade latente, quase teológica. Há algo catártico em ver personagens buscando redenção em meio à escuridão — não como salvação mística, mas como gesto humano de reconciliação com o próprio destino. Gwen, Finn e até figuras secundárias como Mando e Terrence são moldados pela culpa e pela esperança, compondo uma tapeçaria moral que se sobrepõe ao terror literal. Conclusão O Telefone Preto 2 não quer apenas assustar; quer curar feridas antigas. É um filme sobre o que acontece depois que o monstro morre — e o que fazemos com os fantasmas que ele deixa. Derrickson transforma o gênero em rito de passagem, e o telefone, antes instrumento de pavor, agora chama para algo maior: a necessidade de atender a si mesmo. Confira o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=4FTqSFaKyjs Ficha Técnica Direção: Scott Derrickson; Roteiro: Scott Derrickson, C. Robert Cargill; Elenco: Mason Thames, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, Ethan Hawke; Gênero: Terror sobrenatural; Duração: 114 minutos; Distribuição: Universal Pictures; Classificação indicativa: 16 anos; Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z