O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), levou pessoalmente a Luiz Inácio Lula da Silva as queixas de congressistas sobre a lentidão nos pagamentos de emendas parlamentares e cobrou um cronograma previsível. Segundo interlocutores, o petista prometeu “acelerar o fluxo”, mas não se comprometeu com prazos nem apresentou um calendário detalhado. Embora o dinheiro reservado ao Congresso tenha aumentado nos últimos anos, a execução das emendas em 2025 é a menor, proporcionalmente ao total previsto, desde 2020. Em um momento de desgaste do Palácio do Planalto com partidos de centro e em meio a um processo de reorganização da base, a lentidão na liberação da verba contribuiu, nas últimas semanas, para aumentar a insatisfação de deputados e senadores. O descompasso virou tema recorrente nas conversas de Motta com líderes da base. Parlamentares relatam que o atraso tem provocado desgaste em redutos eleitorais e travado a interlocução com prefeitos, especialmente em cidades pequenas, onde as emendas representam a principal fonte de investimento local. O presidente da Câmara foi direto com Lula: a incerteza sobre os repasses, segundo a sua visão, tem deixado o Congresso em “posição de espera” e reduzido a capacidade de articulação política do governo. Os dados confirmam o mal-estar. Até 16 de outubro, o governo empenhou R$ 26,8 bilhões de um total de R$ 50,3 bilhões previstos no Orçamento, o equivalente a 53,3% da dotação. Em 2024, no mesmo período, o índice era de 77,6%; em 2023, de 70%; e em 2022, ano eleitoral, chegou a 88,6%. A execução atual também fica abaixo da observada em 2021, quando o percentual foi de 56%, e só supera 2019 — primeiro ano da série analisada, quando as emendas de bancada ainda não eram impositivas. Há três semanas, Motta já havia levado o mesmo recado à ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, em reunião com deputados do PT, PSB, PDT e PSD. Parlamentares presentes dizem que Gleisi admitiu dificuldades internas para conciliar o ritmo das liberações com as metas fiscais, mas que se comprometeu a dar mais celeridade ao processo. Em entrevista à jornalista Míriam Leitão na quarta-feira, na GloboNews, Motta reconheceu o desgaste e defendeu uma reconfiguração na relação entre os Poderes. — Nós precisamos dar uma atualizada nessa questão da relação entre o Poder Executivo e a Câmara dos Deputados — afirmou. O paraibano tem repetido a interlocutores que quer “baixar a temperatura”, mas também mostrar que a Casa não aceitará ser surpreendida por travas orçamentárias. Enquanto as cobranças se acumulam, o Congresso tenta responder com regras próprias. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, Gervásio Maia (PSB-PB), incluiu no texto um dispositivo que obriga o pagamento, no próximo ano, de verbas destinadas à saúde, à assistência social e às transferências especiais (emendas Pix) em prazo máximo três meses antes da eleição. Essa obrigação não existe hoje. Na prática, a mudança proposta garante que o dinheiro chegue às bases de governadores, prefeitos e parlamentares ainda no primeiro semestre, ampliando o uso eleitoral dessas verbas. Hoje, não existe essa determinação de que todas as emendas sejam pagas antes da eleição, e o fluxo de repasses ocorre ao longo de todo o ano. Há, porém, uma proibição para a transferência de recursos a estados e municípios, incluindo emendas, nos três meses que antecedem o pleito. Essa determinação existe justamente para evitar que os recursos sejam usados eleitoralmente, o que poderia gerar vantagens para um candidato em detrimento de outros. A mudança proposta busca obrigar o governo a enviar o recurso antes desse prazo. A proposta, vista como uma reação direta ao cenário atual, tem apoio do Centrão e da Confederação Nacional de Municípios (CNM). O argumento é que prefeitos precisam de previsibilidade para executar as obras e mostrar resultados antes do pleito. O Planalto, porém, resiste à tentativa de alteração legislativa. A equipe econômica alerta que a fixação de prazos pode engessar o Orçamento e comprometer o controle das contas em caso de queda de receitas. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), classificou a iniciativa como “totalmente eleitoral” e “sem lógica fiscal”. No entorno de Lula, auxiliares admitem que parte das liberações foi retida por precaução, diante da arrecadação abaixo do previsto e da pressão de gastos sobre o arcabouço fiscal. Na Câmara, o tema virou combustível político. Deputados descrevem as emendas como “calmantes” que aliviam o humor das bancadas e garantem sobrevida ao diálogo com o governo. Sem elas, prefeitos e vereadores cobram os parlamentares — e o efeito chega ao Planalto. Líderes da base afirmam que o cronograma estaria pior que no comando de Arthur Lira (PP-AL). Apesar das promessas de Lula, a expectativa entre aliados é que o ritmo só se normalize depois da votação da LDO, quando o governo buscará recompor pontes com o Congresso e reorganizar a articulação política. Na última década, o Congresso turbinou o controle sobre o orçamento. Em 2015, em valores já corrigidos pela inflação, foram R$ 16,92 bilhões em emendas, frente a R$ 50,38 bilhões neste ano. A mudança no modelo de repasses também contribuiu para esse novo cenário. Desde 2020, as chamadas emendas Pix — transferências fundo a fundo feitas diretamente aos cofres estaduais e municipais, sem necessidade de convênios ou planos de trabalho detalhados — ganharam espaço como principal forma de execução das emendas. Essas transferências exigem menos etapas de prestação de contas e chegam mais rápido ao destinatário. Por isso, são preferidas por parlamentares e prefeitos. Ao mesmo tempo, estados e municípios têm falhado em prestar contas sobre a aplicação dos valores recebidos, o que vem gerando sucessivas cobranças do Supremo Tribunal Federal (STF). As emendas também entraram no centro de um impasse entre Judiciário, Legislativo e Executivo em 2022, com o fim do orçamento secreto. No ano passado, o embate ganhou novos capítulos. Dino determinou a suspensão de repasses até que fossem criados novos mecanismos de transparência, o que aconteceu com a aprovação de uma nova lei. O Ministério Público Federal também abriu investigações pelo país centradas nas emendas Pix. Porcentagem de emendas parlamentares empenhadas a cada ano até 16 de outubro: 2019 46,9% 2020 60,7% (ano eleitoral) 2021 56,0% 2022 88,6% (ano eleitoral) 2023 70,9% 2024 77,6% (ano eleitoral) 2025 53,3% Valores empenhados de emendas até 16 de outubro (valores não corrigidos) 2019 6.436.632.899. 2020 21.970.092.945 - ano eleitoral 2021 18.928.429.333 2022 22.866.685.033 - ano eleitoral 2023 25.407.251.573 2024 37.137.384.090 - ano eleitoral 2025 26.833.327.627 Dotação orçamentária de emendas por ano (valores não corrigidos) 2019 - 13.723.759.764 2020 - 36.177.357.007 2021 - 33.837.137.171 2022 - 25.799.146.216 2023 - 35.837.382.476 2024 - 47.870.483.927 2025 - 50.378.494.747