Os policiais militares envolvidos na morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, informaram na delegacia, no momento do registro do boletim de ocorrência, que não usavam câmeras corporais durante a abordagem. Mas imagens inéditas obtidas pelos advogados da família após pedidos na Justiça mostram os agentes conversando sobre as gravações logo após o disparo do tiro. Marco Aurélio foi baleado na barriga dentro de um hotel na Vila Mariana, na região Sul de São Paulo, em novembro do ano passado. Ele morreu depois de ser socorrido. Em uma das imagens, gravada minutos depois de o estudante ser baleado, o soldado da PM Guilherme Augusto Macedo reporta a um sargento os fatos que se sucederam até o momento do tiro. Ele também informa ao superior a respeito das câmeras: “E sargento, foi filmado desde o início, desde o início. Desde a hora que ele deu o tapa na viatura, até quando ele veio aqui pra dentro”. Momentos depois, o mesmo equipamento registra o sargento perguntando ao soldado Guilherme se ele tem a ocorrência filmada. Quando o sargento se afasta, Guilherme questiona os colegas se, com o equipamento ligado e gravando, é possível ver um trecho anterior. “Tem como isso ai, mano? Ver o bagulho acionado já?”. Na sequência, ele informa ao sargento que com a câmera acionada não é possível ver as imagens anteriores, e diz que vai desligar o equipamento. A equipe jurídica que auxilia a família de Marco Aurélio alega que os PMs envolvidos na ocorrência não colaboraram com a justiça. “Exemplo disso é a informação mentirosa de que os acusados não faziam uso da chamada “Body Cam”. É chocante que uma informação tão relevante tenha sido deliberadamente omitida no boletim de ocorrência. Esta omissão se torna ainda mais grave com as informações existentes nas gravações recentemente juntadas aos autos, onde resta demonstrado que ambos os acusados sabiam que as câmeras corporais estavam em pleno funcionamento e tinham acesso às respectivas gravações”, dizem os advogados. Segundo a defesa, os policiais enviaram as primeiras imagens das câmeras corporais só dois meses depois da morte, em janeiro, e apenas trechos curtos do momento do tiro. Só na semana passada, uma decisão judicial obrigou Guilherme Macedo e Bruno Carvalho do Prado - envolvidos diretamente no episódio - a mandarem a íntegra das câmeras. A Justiça também determinou que fossem anexadas gravações de outros agentes do batalhao que estavam na cena. Em razão das novas imagens, os advogados da vítima pediram ontem (14) a prisão preventiva dos policiais. A defesa dos policiais Guilherme e Bruno foi procurada, mas não retornou. O espaço permanece aberto para manifestação. ‘Tem que sofrer’ Outro trecho da gravação das câmeras corporais mostra que o estado de saúde do estudante foi motivo de risada entre bombeiros e um PM durante o atendimento dele no hospital. A conversa se deu na entrada do centro cirúrgico, para onde o jovem foi encaminhado após ser baleado. "As meninas falaram que eles estão sem tomografia, não tem como localizar nada, vai ser na mão”, diz um bombeiro. "Estavam mexendo nele lá", acrescenta ele, ao outro responde: "Tem que sofrer mesmo, pô". Os agentes, então, sorriem. Assista aqui: 'Tem que sofrer mesmo', afirmou bombeiro durante socorro a estudante de medicina baleado O socorro foi feito por uma ambulância do Corpo de Bombeiros da PM. O GLOBO questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre a conduta dos agentes e aguarda resposta. Os registros exibem o jovem agonizando depois de ser baleado. Novo trecho das imagens obtidas pelo GLOBO mostram a chegada de Marco Aurélio ao hospital até o encaminhamento à sala de cirurgia. A equipe jurídica da família do estudante destaca que, pelos registros, ele chega à unidade "sem nenhum curativo ou intervenção aparente de primeiros socorros". Numa maca, os bombeiros cruzam os braços de Marco Aurélio. A defesa afirma que o jovem foi tratado "com violência". O PM pergunta a um dos bombeiros se o estudante havia usado drogas, e o bombeiro responde que não, apenas álcool. "Eu já abordei ele, folgado para caramba", diz o policial. Mais adiante nas imagens, um policial militar afirma a colegas de farda que já conhecia Marco Aurélio da favela Mario Cardim, na Vila Mariana, que seria frequentada pelo jovem. Outros PMs envolvidos também afirmaram conhecer o estudante. Demora no atendimento Segundo a família, o jovem só chegou a um hospital para receber atendimento médico 47 minutos depois que levou o tiro. O médico Júlio César Acosta Navarro, pai da vítima, afirma que o disparo da PM ocorreu às 2h49. Os bombeiros, segundo Júlio, demoraram aproximadamente 20 minutos para chegar, mais 15 minutos para deixarem o local com o jovem e outros 12 minutos até o pronto atendimento. O filho chegou ao Hospital Ipiranga às 3h36. Assista aqui: Novas imagens mostram estudante morto pela PM agonizando antes de socorro chegar A família questiona a demora no atendimento e a escolha do pronto socorro de destino, diante da grande oferta de unidades hospitalares mais próximas ao local do crime. — Como médico, sei todas as falhas. Foi uma verdadeira conspiração contra o meu filho. A 20 metros do hotel onde tudo aconteceu, tem um hospital que oferece cirurgia. Deixaram meu filho agonizar. Demoraram para atender. Levaram longe, para um local sem tomografia, mesmo depois de alertados. Não fizeram a compressão do sangramento, não deram um soro — lamentou o pai. Em outra imagem gravada pelas câmeras corporais, Júlio aparece descendo de um carro, após ter a notícia do ocorrido com o filho, e pedindo informações aos mesmos policiais envolvidos na morte. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informa que o caso mencionado pela reportagem, ocorrido em novembro de 2024, foi investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que encaminhou o inquérito policial à Justiça. “Desde então, não houve retorno do caso ao departamento. O policial já havia sido indiciado no Inquérito Policial Militar (IPM) por homicídio doloso e permanece afastado das atividades. A Polícia Militar aguarda a conclusão do processo criminal e manifestação do Poder Judiciário”. A pasta diz ainda que o atendimento a ocorrências com vítimas segue protocolos integrados de emergência, realizados em conjunto pelo Corpo de Bombeiros e pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). "Após o acionamento, as equipes são despachadas conforme a disponibilidade de cada instituição".