Um marco nas relações entre Brasil e Índia. Em tempos de tarifaço, assim o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, definiu nesta quarta o momento em que ocorre sua visita a Nova Délhi. Em três dias na capital indiana, ele tem no programa reuniões com ao menos quatro ministros, além do vice-presidente. O objetivo é fortalecer a parceria estratégica e incentivar o comércio bilateral, que embora esteja em alta é considerado modesto diante do tamanho das duas economias. Disputa de gigantes: CEOs de gigantes globais se reúnem com negociador comercial chinês em meio a tensões entre EUA e China Desejo presidencial: Trump planeja arco do triunfo em Washington para comemorar o 250º aniversário de independência dos EUA O tarifaço dos Estados Unidos, que impôs uma sobretaxa semelhante aos dois países, de 50% cada, não é mencionada abertamente por autoridades indianas e brasileiras, mas é um tema que paira sobre a visita de Alckmin. Para diplomatas e representantes do mundo dos negócios de ambos os países, a escalada tarifária americana é um alerta sobre a necessidade de diversificar parcerias. Sem exceção, todos os empresários ouvidos pelo GLOBO mencionaram o tarifaço como incentivo para aproximar os dois países. Entre os anúncios feitos até agora durante a visita de Alckmin, que se encerra nesta sexta, estão a abertura de uma representação da ApexBrasil e de um escritório da Embraer em Nova Délhi, além da assinatura de um contrato da Petrobras para o fornecimento de mais 6 milhões de barris de petróleo para o país. Alckmin também conversou sobre possíveis negócios na indústria militar com o ministro indiano da Defesa, Raksha Mantri. O setor é um dos principais focos da visita do vice-presidente. Tanto que fazem parte da comitiva brasileira, além do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, vários comandantes militares, entre eles o almirante Renato de Aguiar Freire, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Existe há anos uma colaboração entre os dois países para a formação de seus militares, com cursos no Brasil e na Índia. Segundo a imprensa local, o ministro indiano promoveu a possibilidade de vender ao Brasil o sistema de defesa antiaérea Akash, de mísseis de médio alcance. Já o Brasil explora o interesse da Índia em adquirir seis aeronaves E-145 da Embraer, além de parcerias na manutenção de submarinos franceses Scorpène, usados pelos dois países. Nesta quinta, depois de encontro com o vice-presidente indiano, Chandrapuram Ponnusami Radhakrishnan, Alckmin reuniu-se com o ministro do Comércio do país, Piyush Goyal, que também participou de evento com empresários dos dois países. Goyal ressaltou o potencial de investimento da Índia, “a grande economia que mais cresce no mundo”, com projeção de expandir a um ritmo anual de 6,6% em 2025, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Alckmin lembrou que a meta estabelecida pelos governo no comércio bilateral é superar a marca de US$ 20 bilhões até 2030, a partir dos US$ 12 bilhões alcançados em 2024. — O Brasil vê na Índia um parceiro prioritário para a diversificação de exportações e investimentos — disse o vice-presidente. — Dois países que não competem, complementam-se, que não se isolam, se unem, que não esperam o futuro, constróem-no juntos. Votação apertada: Premier da França sobrevive a moções de censura após suspender reforma da Previdência As afinidades facilitam a aproximação, principalmente pela agenda de cooperação sul-sul, a parceria no BRICS e a aliança de Índia e Brasil em temas estratégicos como segurança alimentar e transição energética, disse Ana Paula Repezza, diretora de negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). Já havia um movimento em busca de uma interação econômica maior e o tarifaço serviu como estímulo adicional, disse ela. — Com certeza é um fator externo que faz com que as duas economias olhem mais uma para a outra. Ambas têm relações importantes com os Estados Unidos e no momento em que essas relações se fragilizam, existe essa complementaridade de pauta, acho que isso é importante. Não é só por causa do tarifaço. Mas ele veio trazer mais um impulso para a aproximação — afirmou Repezza. De certa forma, os temas energéticos da pauta bilateral também acabam tendo alguma relação com o tarifaço, ainda que não de forma declarada. A importação de petróleo russo pela Índia foi a justificativa usada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para punir o país com sobretaxas, que totalizaram 50%. Com a compra de mais petróleo do Brasil e investimentos em biocombustíveis como o etanol, a Índia poderia reduzir a pressão americana. Nesta quarta, Trump afirmou que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, teria concordado em suspender a compra de petróleo russo. Nova Délhi, entretanto, não confirmou. Após o encontro com Alckmin, o ministro do Petróleo, Hardeep Singh Puri, disse ao GLOBO que “a relação com o Brasil é estratégica e vai se fortalecer ainda mais”, independentemente dos EUA. Puri, que foi embaixador da Índia no Brasil entre 2006 e 2008, ressaltou a parceria em iniciativas multilaterais e o crescimento contínuo do comércio e do fluxo de investimentos. — Nossa interação econômica com o Brasil está crescendo, mas ainda acredito que há mais potenciais a serem descobertos. Nós compramos anualmente petróleo no valor de US$ 2,5 bilhões do Brasil e muitas de nossas empresas entraram em acordos com a Petrobras. Acho que poderíamos comprar mais — disse o ministro. Tensão no Caribe: Plano dos EUA para pressionar Maduro deve ser abordado em reunião entre Vieira e Rubio A missão liderada por Alckmin também serve para preparar o terreno para a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Índia, confirmada para fevereiro. Numa medida destinada a facilitar os intercâmbios, Alckmin anunciou que o Brasil passará a emitir vistos de negócio eletrônicos para indianos na embaixada de Nova Délhi e no consulado em Mumbai. Para Hariom Singh, dono de uma agência de viagens com sede em Nova Délhi que opera entre os dois países, a medida é um incentivo a mais para empresários da Índia viajarem ao Brasil, num momento em que o país olha para outros destinos, do turismo aos negócios. — Se uma porta é fechada, outras se abrem, e certamente o Brasil é visto como uma das oportunidades mais promissoras — disse Singh. *O repórter viajou à Índia a convite da ApexBrasil