As diferentes trajetórias acadêmicas dos principais cotados para a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) — a escolha será feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com aval do Senado — ilustram como a formação universitária não é um atributo basilar, hoje, para que um candidato se torne viável na competição por uma cadeira. Os níveis variam: tem professor com PhD em Direito, doutor com vivência acadêmica menos ativa e advogado que, depois de graduado, não seguiu na vida universitária. O componente político, que abarca a confiança do presidente da República, vem sendo cada vez mais decisivo para consolidar as escolhas. Nome tido como o menos provável para a vaga, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), é quem mais ostenta títulos acadêmicos na comparação com o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, que concluiu doutorado no ano passado, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), graduado pela PUC-Minas. Considerado favorito por ser homem de confiança do presidente Lula, Messias entregou em 2024, já à frente da AGU, a tese “O Centro de Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global”, defendida na Universidade de Brasília (UnB). Logo de cara, nos agradecimentos, o ministro manifesta sua fé: agradece a Deus, “cuja presença constante em minha vida me concede a força e a coragem necessárias para enfrentar os desafios diários, culminando na conclusão deste projeto.” Com doses frequentes de opinião política no texto, o chefe da AGU menciona a “dolorosa derrota” do projeto político Lula-Dilma Rousseff — do qual fez parte, na reta final, como subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil. Foi depois dali, diz, que sentiu o anseio de voltar à vida acadêmica. Quando se debruça sobre os governos seguintes, Messias usa conceitos como “ultraliberalismo” para criticá-los. Menciona ainda o “negacionismo” de Jair Bolsonaro na pandemia e classifica as mudanças na Previdência como uma “reforma draconiana”. A gestão Bolsonaro, segundo o AGU, impôs uma agenda que estendeu “as regras de mercado para os destituídos” e concedeu “garantias legais aos capitalistas”. Já o Lula 3, sobre o qual há um capítulo na tese chamado “Diagnóstico e ações propostas pelo Governo Lula para a retomada do desenvolvimento nacional e o enfrentamento dos riscos globais”, é apontado por ele como um governo de propostas para “superar a armadilha da estagnação econômica e lidar com os riscos globais, que até então vinham sendo ignorados pelo governo anterior”. Messias também analisa o papel do Supremo, para o qual agora é cotado, na leitura que faz sobre o período pós-Dilma. Apesar de evocar as “críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores”, o atual AGU acredita que a Corte estaria, no fundo, sendo solapada “por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do Judiciário que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988”. O Supremo, avalia Messias, buscou estancar os “abusos” da Operação Lava-Jato, reverter decisões “injustas” de instâncias inferiores e fazer frente às “ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à Presidência”. Além da formação acadêmica, Messias é funcionário de carreira da AGU, na qual entrou como procurador da Fazenda Nacional. A graduação em Direito foi feita na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Dantas: professor e currículo acadêmico vasto Professor do departamento de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uer)j, universidade na qual fez pós-doutorado, e do mestrado e doutorado em Direito da Regulação da FGV do Rio, Bruno Dantas se formou na Universidade Católica de Brasília. Foi na PUC-SP, no entanto, que fez mestrado e doutorado. Em ambos os casos, os estudos do ministro se concentraram em temas que têm relação com o dia a dia do STF. A dissertação, entregue em 2007, foi chamada de “Da repercussão geral: investigação sobre os aspectos processuais civis do instituto e a mudança de perfil imposta por seu advento ao recurso extraordinário brasileiro”. Depois, a tese de doutorado sobre “tutela recursal plurindividual no Brasil”, de 2013, foi adaptada para o livro “Teoria dos Recursos Repetitivos: Tutela Plurindividual nos Recursos Dirigidos ao STF e STJ”. A análise de Dantas sobre aspectos da Corte é menos política e mais focada em minúcias técnicas. Além dos trabalhos apresentados para concluir os graus de formação, Dantas se aprofundou sobre o Supremo em artigos acadêmicos. Num deles, por exemplo, analisa a súmula vinculante, mecanismo que uniformiza a jurisprudência do STF em decisões de matérias constitucionais e a espraia para os demais órgãos do Judiciário e da administração pública. Antes do TCU, tribunal que já presidiu, Dantas foi também consultor-geral do Senado e conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Pacheco: advogado de peso Entre os cotados para a cadeira de Barroso, Rodrigo Pacheco é quem menos seguiu carreira acadêmica. Depois da graduação em Direito pela PUC-Minas, fez apenas uma especialização em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Econômicas Criminais (IBCCRIM). Foi na trajetória como advogado que o mineiro se cacifou na política e no Judiciário. O nome do senador aparece em 19 processos como advogado no Supremo. Entre eles, estão recursos em casos criminais como o de um padre condenado por pedofilia e o de um fazendeiro acusado de matar um bailarino. Ao longo da carreira na advocacia, Pacheco teve alguns clientes famosos, como o ex-diretor do Banco Rural Vinicius Samarane, condenado no Mensalão, além de deputados e prefeitos de Minas. O ex-presidente do Senado também manteve atuação ativa na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na qual foi conselheiro federal e seccional, presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados e líder da Comissão Nacional de Apoio aos Advogados em Início de Carreira. Na política, elegeu-se deputado federal por Minas Gerais em 2014. Quatro anos depois, chegou ao Senado, Casa que presidiu por quatro anos. Indicações mais pragmáticas Para ser indicado ao STF, o candidato precisa ser brasileiro nato, ter entre 35 e 75 anos de idade e contar com notável saber jurídico e reputação ilibada. Mas, observa o professor da FGV Direito SP Rubens Glezer, as indicações passaram a ser cada vez mais pragmáticas depois do Mensalão, o que se intensificou após a Lava-Jato. O fator político ganhou peso. — Virou crucial ser alguém com quem o mundo político tenha capacidade de dialogar, que seja sensível às suas necessidades. E os presidentes também vão tentando colocar alguém que vai ser da sua confiança — diz. — Me parece que esse é o tom que temos vivido há aproximadamente uma década, e isso tem sido deletério para a legitimidade do tribunal. Antes, avalia Glezer, era mais importante que os escolhidos fossem reconhecidos pela “autoridade” no campo do Direito. Agora, afirma, os requisitos acadêmicos e de reputação ficaram em segundo plano: — Nessa abordagem pragmática, a pessoa ter reputação ilibada e notório saber jurídico quer dizer que ela não matou ninguém e é formada em Direito.