A reunião entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, deu início ontem ao processo de negociação entre os dois países a respeito do tarifaço imposto a produtos brasileiros. O chanceler brasileiro definiu o encontro como “produtivo e cordial”. Comunicado conjunto dos dois países após o evento reforça que os chefes da diplomacia vão trabalhar para que seja realizado em breve um encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, embora ainda não haja uma data marcada. Tarifaço: Vieira e Rubio definem rota de trabalho conjunto e preparam reunião entre Lula e Trump CNU 2025: calculadora do GLOBO mostra sua pontuação para cada cargo pela nota final ponderada Indagado se a reunião deve ocorrer ainda neste mês, durante a cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), Vieira não confirmou nem negou, mas disse que a expectativa é que ocorra o mais rápido possível. — Está mantido o objetivo de que os presidentes Lula e Trump se reúnam. Mas isso, obviamente, ainda vai ser definido pelas partes e, de acordo com a agenda dos presidentes, para um momento e local que sejam convenientes para ambos os lados — afirmou Vieira após o encontro. ‘Início auspicioso’ Mauro Vieira e Marco Rubio conversaram reservadamente durante 15 minutos, diante de um quadro do ex-secretário de Estado John Hay, figura histórica da diplomacia americana Itamaraty/Divulgação O foco da reunião de ontem foi a agenda econômica. O chanceler afirmou que os países já trabalham na montagem de um cronograma de reuniões e que deve manter contato direto com o secretário Rubio nos próximos dias. Vieira definiu o evento como um “início auspicioso de um processo negociador, no qual trabalharemos para normalizar e abrir novos caminhos para as relações bilaterais”. Descubra: Quem é a figura histórica no quadro atrás de Vieira e Rubio em foto da reunião de hoje? O chanceler fez uma declaração na Embaixada do Brasil em Washington depois do encontro. Ele revelou que reiterou a posição do Brasil de necessidade de reversão das sanções impostas pelo governo Donald Trump: — Reiterei a posição brasileira, transmitida diretamente pelo presidente Lula ao presidente Trump, na semana passada, sobre a necessidade de reversão das medidas adotadas pelo governo americano a partir de julho, o que vai demandar, evidentemente, um processo de negociação a ser iniciado nos próximos dias — afirmou, em referência ao tarifaço de 40% que entrou em vigor em agosto e que, somado a tarifas anunciadas em abril, de 10%, fez com que a sobretaxa a produtos brasileiros alcançasse 50%. O encontro durou uma hora. Os primeiros 20 minutos foram a portas fechadas e sem assessores. O teor da conversa não foi revelado, mas interlocutores da área diplomática acreditam que, entre os temas tratados, um deles pode ter sido o plano de Trump de usar a CIA para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Na segunda parte da conversa, que durou cerca de 40 minutos, participaram também a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti; os embaixadores Mauricio Carvalho Lyrio, que é secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e Sherpa do Brasil no Brics; Philip Fox-Drummond Gough, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty; e Joel Sampaio, chefe da Assessoria Especial de Comunicação Social. Aproximação diplomática: veja fotos do encontro entre chanceler brasileiro e secretário de Trump Do lado americano, participaram o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, o secretário de Defesa Assistente, Michael Jensen, e assessores do Departamento de Estado dos EUA. Questões políticas sensíveis, como a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro e as investigações do Judiciário brasileiro, ficaram fora da pauta. Desde que passou a aplicar a sobretaxa de 50%, Trump tem condicionado a negociação com o Brasil ao arquivamento do processo contra Bolsonaro, que resultou na condenação do ex-mandatário pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Diante da resposta do governo Lula de que não tem poder sobre a Justiça brasileira, Trump determinou sanções contra cidadãos brasileiros, tendo o ministro do STF Alexandre de Moraes como alvo central. O tom da Casa Branca mudou desde a semana passada. Durante conversa telefônica com Lula, Trump não tocou no nome de Bolsonaro. Rubio — um dos principais críticos do Judiciário brasileiro — manteve o mesmo comportamento na reunião com Vieira. Reiterei a posição brasileira, transmitida diretamente pelo presidente Lula ao presidente Trump, na semana passada, sobre a necessidade de reversão das medidas adotadas pelo governo americano - Mauro Vieira, Chanceler brasileiro Na quarta-feira, Lula voltou a fazer referência à declaração de Trump de que os dois tiveram “química” em breve encontro na Assembleia Geral da ONU. Segundo Lula, não foi química, foi “uma indústria petroquímica”. Ao receber o mandatário argentino, Javier Milei, na Casa Branca, Trump fez referência positiva à conversa com Lula. Etanol no cardápio Nos bastidores, integrantes da diplomacia brasileira destacaram que o diálogo com Washington é essencial para destravar negociações paradas desde o início do ano e garantir previsibilidade às exportações. O tom adotado pelos chanceleres foi descrito como “construtivo e realista”. A nota conjunta divulgada após o encontro resume o tom: Conselho consultivo: CEOs de gigantes globais se reúnem com negociador comercial chinês em meio a tensões entre EUA e China “O secretário Rubio, o embaixador Greer e o ministro Mauro Vieira concordaram em colaborar e conduzir discussões em várias frentes no futuro imediato, além de estabelecer uma rota de trabalho conjunto. Ambas as partes também concordaram em trabalhar conjuntamente pela realização de reunião entre o Presidente Trump e o Presidente Lula na primeira oportunidade possível”, diz a nota. Grandes empresários e entidades setoriais do Brasil ouvidos pelo GLOBO estão otimistas. Entre os temas-chave do lado comercial, a possível redução de tarifa que o Brasil impõe ao etanol anidro importado dos EUA é tida como a demanda americana que poderia ser mais facilmente atendida pelo Brasil. O Brasil hoje importa etanol anidro em momentos em que a demanda interna é alta e a produção local não consegue atendê-la. A reclamação dos americanos é que a taxação brasileira, de 18%, é elevada. Os EUA taxam em 2,5% o etanol brasileiro. No mercado de etanol, produzimos a partir da cana-de-açúcar e os americanos a partir milho, os dois países são os maiores produtores do mundo. Um presidente de entidade setorial que tem dialogado com autoridades brasileiras e americanas sobre a negociação afirma que o assunto está na mesa, juntamente com o interesse americano por um eventual acordo sobre terras raras e minerais críticos para a transição energética. Na área de minerais, os EUA pleiteiam a garantia de fornecimento firme, se não preferencial, por meio de um acordo com o Brasil para a aquisição dos chamados minerais estratégicos, a exemplo de lítio e nióbio, bem como acordos envolvendo as terras-raras, um conjunto de minerais importantes para a transição energética e usados, por exemplo, na fabricação de baterias, turbinas eólicas e telas de LED. * Alexandra Bicca - Especial para O GLOBO