Crise de hospedagem, metas abrangentes e 'herança maldita' travam definição de pauta prioritária às vésperas da COP30

A proximidade do início da COP30, que ocorrerá em Belém entre os dias 10 e 21 de novembro, em um contexto de crise de hospedagens e cenário internacional desfavorável, acende um sinal de alerta para especialistas da área ambiental. Até o momento, 87 países garantiram os quartos e 90 estão em negociação. O temor é que o cenário, aliado a dilemas não resolvidos nas duas conferências anteriores e um plano de metas abrangente proposto pela presidência do evento, impactem diretamente na indefinição de uma pauta prioritária e nos resultados concretos do encontro global, que já está sob a sombra do esvaziamento. PL da devastação: Entenda a importância da entrada de Lula para o adiamento da análise dos vetos e qual será a estratégia do governo Rumo à COP30: Veleiro sai do Rio com destino a Belém em expedição inédita sobre vida marinha brasileira A agenda de ação da conferência é dividida em seis eixos temáticos, que cobrem esforços para mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação. Há ainda a definição de 30 objetivos-chave pela preservação do meio ambiente. Especialistas apontam que a COP30 conta com “peculiaridades” na comparação com as anteriores que atrapalham a definição de uma pauta central com o principal objetivo do encontro. Isso se dá uma vez que a formulação do livro de regras do Acordo de Paris foi encerrada no evento do ano passado, o que pressupõe a necessidade de passagem da discussão legislativa para o debate sobre a execução dos acordos. — A COP30 ocorre em um país que coloca como objetivo principal, não a renovação de compromissos, mas a implementação dos acordos já assumidos — explica Marcos Woortmann, diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). Ainda que a promessa de implementação norteie o interesse da presidência da COP30, “heranças” das duas COPs anteriores podem atrapalhar as negociações. É o que avalia a engenheira ambiental Laura Peiter, que atua como diretora de sustentabilidade da assessoria Profile: — A COP28, em Dubai, teve o primeiro balanço global de emissões, e foi constatado que as metas dos países para redução eram insuficientes. Já na COP29, em Baku, o valor acordado para o fundo climático foi muito aquém do esperado. Essas pendências devem atrapalhar as propostas da presidência atual, que trouxe objetivos muito ambiciosos e abrangentes. A avaliação dos especialistas é que em Dubai, apesar do marco histórico do reconhecimento da necessidade de transição dos combustíveis fósseis, o debate ficou fragmentado entre mitigação, perdas e danos e financiamento, sem fortalecer os avanços de uma agenda. Já em Baku, as discussões de financiamento climático se destacaram, mas o resultado foi considerado insuficiente: estabeleceu-se uma nova meta de US$ 300 bilhões anuais até 2035, muito abaixo do que os países em desenvolvimento demandam. — O sucesso efetivo da COP30 dependerá de avanços concretos em temas estruturantes, muitas vezes abordados sem o aprofundamento necessário em conferências anteriores — avalia Mirela Sandrini, membro do Grupo Executivo da Coalizão Brasil e diretora-executiva do WRI Brasil. Ela avalia que a dificuldade em definir uma pauta central para a conferência decorre da própria complexidade do momento político e climático global atual. Uma das apostas do Brasil para a COP30, o Fundo Florestais Tropicais Para Sempre (TFFF) — que prevê o pagamento pela conservação — é destacado por Zé Gustavo, diretor-executivo do Fórum Brasileiro das Climatechs, como uma iniciativa de implementação “contundente”. — É um desafio arrecadar dinheiro para o fundo, mas acho que pode ser uma materialidade da entrega dessa COP — diz. Metas em segundo plano O entendimento de que a crise do multilateralismo — provocada pela guerra entre a Rússia e países europeus e pela taxação dos Estados Unidos contra outras nações — causa entraves é unânime entre os estudiosos da área. O resultado é um atraso na entrega das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), cujo prazo foi encerrado em setembro, com quase metade da adesão registrada em 2021, quando ocorreu a rodada anterior de apresentação das atualizações das metas climáticas. Até a noite de quinta-feira o número de entregas estava em 62. Apenas as NDCs encaminhadas até esta data limite imposta pelo secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC) estarão no relatório-síntese da ONU, cujo objetivo é destaca os principais achados, progressos e recomendações para o evento. As metas apresentadas de outubro até a COP30, portanto, não estarão presentes no documento, mas podem auxiliar as negociações. A apresentação da atualização das NDCs a cada cinco anos é um dever dos 195 signatários do Acordo de Paris, com objetivo de intensificar a redução de emissões e promover a adaptação climática. Segundo o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, 162 delegações confirmaram a sua participação na COP30. — O Brasil realizou um esforço muito grande, desde quando nos candidatamos para receber a conferência, para que fossem alcançados resultados e para que os países honrem o compromisso que assumiram. Estamos nos debruçando em como responder à questão das NDCs insuficientes. É um esforço sendo feito e dialogado com outros países — afirma a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que defende a existência de uma agenda “convergente” no evento. Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a presidência da COP precisa tomar uma atitude para a chegada de um novo acordo, para que as metas climáticas “sejam apresentadas e de forma melhor”. — A maioria dos países não prometeu, e quem prometeu não prometeu o suficiente. Se começa a COP sem NDCs, ela pode terminar com um problema sem resolução. O que é gravíssimo, já que as metas são o centro nervoso do Acordo de Paris. Já Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório, entende que o sucesso da COP30 também será medido por temas que não estão presentes na agenda formal da conferência, como a redução do uso de combustíveis fósseis e do desmatamento. — Não é culpa do Brasil que esta seja uma COP sem um grande objetivo maior. A conferência acontece em um contexto em que o mundo precisa resolver a questão das finanças e completar a negociação da meta global de adaptação. Esse último tópico sempre foi negligenciado na negociação e precisa ser resolvido em Belém. Preço da hospedagem espanta O preço cobrado pela hospedagem na capital paraense é uma das críticas levantadas pela comunidade internacional à infraestrutura de Belém. Até o momento, 87 países têm estadia para as delegações completas durante o período da conferência. O cenário inviabiliza o nível desejado de participação, na avaliação de Katia Mello, engenheira civil e copresidente da consultaria socioambiental Diagonal. — A falta da confirmação de países é muito preocupante para o Brasil, que traz para a COP30 uma articulação pela incorporação de uma transição justa, o que exige participação — afirma. Já Anabella Rosemberg, assessora sênior da Rede de Ação Climática Internacional, vê na proposta de acordar um mecanismo global para a transição justa um sinal positivo que o Brasil poderia enviar ao mundo: — A agenda oficial da COP30 tem discussões importantes que ainda não receberam atenção suficiente e que são chave para destravar a ambição. A justiça social no processo de mudança é um dos grandes temas esquecidos da política climática, e esta COP pode enviar uma mensagem clara ao mundo dez anos depois do Acordo de Paris: vamos nos apoiar mutuamente para avançar numa transição justa e inclusiva. Diretora-executiva da COP30, Ana Toni ressalta que, em um momento de "desafios geopolíticos, socioeconômicos e ambientais, a conferência deve ser um momento para reforçar o multilateralismo, conectar o regime climático à vida das pessoas e acelerar a implementação do Acordo de Paris". — Implementar uma lei é sempre menos atraente que aprová-la, mas é isso que precisamos fazer para avançar na transição para uma economia de baixo carbono e combater a mudança do clima. É fundamental que governos nacionais e subnacionais, setor privado e sociedade civil, entre outros grupos, trabalhem de forma ágil e coletiva para transformar compromissos em ações concretas — afirma Ana Toni.