O presidente Donald Trump retirou os EUA do Acordo de Paris de novo, mas não vai conseguir frear as ações pró-clima lideradas por estados, cidades e empresas, afirma Gina McCarthy, ex-presidente da Agência de Proteção Ambiental do país (EPA) e primeira conselheira do clima da Casa Branca, no governo Biden: PL da devastação: Entenda a importância da entrada de Lula para o adiamento da análise dos vetos e qual será a estratégia do governo Rumo à COP30: Veleiro sai do Rio com destino a Belém em expedição inédita sobre vida marinha brasileira — Estados e governos locais têm autoridade delegada pela Constituição. O presidente Trump vai gostar da ideia de que continuemos avançando em relação às mudanças climáticas? Claro que não. Mas ele literalmente não tem autoridade para impedir isso. Gina é uma das líderes da coalizão America Is All In, formada por governos subnacionais e sociedade civil, que articulam medidas para corte de CO2 e promoção da energia limpa. Ela virá ao Brasil em novembro para o Fórum de Líderes Locais, um dos eventos que antecedem a COP30. Só 31% dos países têm novas promessas de corte de CO2 na forma de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), os documentos que embasam o Acordo de Paris para o clima. A NDC dos EUA data de antes de Trump recuar no tratado. As NDCs estão começando a travar ou recuar? Não posso falar sobre as NDCs de todos os países. Nos EUA (segundo maior emissor de gases do efeito estufa do mundo), o trabalho que estamos fazendo com o America Is All In tem como objetivo fornecer uma NDC para os EUA em um momento no qual o governo federal não está interessado em fazê-lo. Parte do desafio que enfrentamos agora é que temos que trabalhar juntos para aproveitar as oportunidades atuais, que são realmente incríveis em termos de capturar mais energia limpa e reduzir nossa dependência de combustíveis fósseis. As NDCs refletem quais são as nossas esperanças, mas o mais importante é o que cada país está efetivamente fazendo agora para garantir que tenhamos estratégias econômicas saudáveis e viáveis no futuro. Os EUA vão trabalhar para atingir metas da NDC de Biden, mesmo que Trump não a apoie? Não temos expectativa de que o presidente Trump seja nada além de um negacionista das mudanças climáticas. Mas mesmo que o governo federal não queira reconhecer as mudanças climáticas ou tomar medidas a seu respeito, não há como impedir que todos os estados americanos continuem a participar do esforço, tanto na análise do processo da NDC quanto nas oportunidades em energia limpa. O America Is All In é o grupo que vai garantir nossa presença na COP. Queremos que as pessoas no Brasil e a comunidade internacional entendam que os EUA estão dentro. É inegável que estamos em situação difícil com este governo, mas ele não dita as oportunidades em nível local e estadual. A senhora virá à COP 30? Vou participar do Fórum de Líderes Locais (no Rio de Janeiro). É lá que o América Is All In terá uma presença mais significativa. Mas certamente teremos outros representantes dos EUA na COP30. A senhora trabalhou com os governos Biden e Obama na Lei Bipartidária de Infraestrutura e na Lei de Redução da Inflação, que incluem ações para o clima. Tais planos estão em risco sob Trump? A política é ameaça ou solução para a crise do clima? Nesses projetos, o que tentamos fazer foi analisar quais são as oportunidades concretas para avançar e enfrentar a crise climática. Portanto, não se trata tanto de política, mas sim de pessoas. Não estamos dispostos a acomodar um presidente que não reconhece a existência das mudanças climáticas, e não seremos dissuadidos por sua incompreensão das oportunidades disponíveis para nós. Portanto, tudo se resume a garantir que continuemos avançando para promover a energia limpa. Era disso que se tratava a Lei de Redução da Inflação. Tratava-se de investir em energia limpa porque é mais acessível para nossas famílias, pois ela reduz os custos, além de lidar com os desafios das mudanças climáticas. Não devemos ficar presos ao que o presidente diz ou deixa de dizer. A mudança climática é o maior desafio do nosso tempo. Seria um erro nos deixarmos paralisar por disputa política. Até que ponto as grandes empresas americanas estão comprometidas de fato com a ação climática? O setor privado nos EUA não está confrontando este presidente de maneira muito vocal, mas ele está, por outro lado, pondo a mão na massa. A energia limpa nos EUA está prosperando por causa do investimento privado. Ela atingiu seu segundo melhor primeiro trimestre em 2025 no país, e isso representa US$ 10 bilhões em investimento privado. A aquisição de energia limpa por empresas cresceu oito vezes desde 2017. As fontes de energia limpa responderam por 44% da eletricidade gerada nos EUA em agosto. Não me incomoda que o setor privado não esteja alardeando isso o tempo todo, desde que siga a investir. Mas a indústria dos combustíveis fósseis está ganhando força novamente... Sabemos que o interesse do presidente em promover o carvão não será um caso de sucesso, porque o carvão é o ontem, e a energia limpa é o hoje. A indústria de combustíveis fósseis continua, sim, querendo promover seus interesses, mas a energia limpa está avançando em um ritmo que os combustíveis fósseis não conseguem acompanhar. Como está a resposta do setor de tecnologia à questão climática, com sua enorme demanda por eletricidade para Inteligência Artificial? A IA é ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade. O principal desafio agora é manter o abastecimento de água necessário para as pessoas (datacenters para IA consomem muita água para resfriar processadores). Os EUA começaram, em nível estadual, a reagir e a explicar que, embora a IA possa ser extremamente importante para nós no futuro, ela precisa ser bem administrada. Isso se tornará uma preocupação crescente. Como o America Is All In trabalha? Vocês estão conseguindo resistir às ações do governo Trump? O America Is All In trabalha basicamente com tudo abaixo do nível do governo federal. Temos engajamento entre estados, cidades e a comunidade empresarial para garantir que os EUA estejam combatendo as mudanças climáticas da forma mais intensiva possível, gerando empregos e ajudando a promover saúde, bem-estar e igualdade. E nós temos agora uma oportunidade global de mostrar ao resto do mundo o trabalho que está sendo feito. A senhora pode citar um exemplo concreto do que estão fazendo? Quem vocês estão mobilizando para esse esforço? A America Is All In está trabalhando com cidades, prefeitos e governadores abrangendo 55% da população dos EUA e 60% da nossa economia. Somos nós que estamos colocando na mesa qual deve ser nossa NDC e as estratégias para chegar nela. Podemos falar de estados como Arizona, Ohio e Indiana, que lideram em energia solar, além de Texas e da Califórnia, que têm estabelecido novos recordes em energia eólica, solar e em baterias. A Califórnia acaba de renovar seu programa de mercado de carbono até 2045. Além disso, estados da Iniciativa Regional para Gases-Estufa (RGGI, mercado de carbono da Costa Leste dos EUA) têm sido muito bem-sucedidos, reduzindo emissões quase 50% mais rápido que o resto do país, porque trabalham juntos. Quando o governo federal não governa, temos outras maneiras de liderar. Trump está agora perturbando a área de segurança pública colocando tropas federais em algumas cidades contra a vontade de governadores. Ele pode atropelar essa autonomia na área ambiental, impedindo ações climáticas dos estados? Os estados e governos locais têm autoridade que foi delegada pela Constituição. Será que o presidente Trump gosta da ideia de nós continuarmos avançando na resposta às mudanças climáticas? Certamente não. Mas ele literalmente não tem autoridade para impedir isso. Mesmo que ele desaprove as ações de cidades e estados, há um caminho jurídico para contestar isso. Ele pode até ir em frente e tentar, mas as autoridades são muito claras ao afirmar que os estados e governos locais podem agir por conta própria. É importante entender que ninguém está fazendo essas coisas com o único propósito de irritar o presidente. Não há dúvida de que Trump tem autoridade presidencial, mas os governos locais e estaduais também têm uma autoridade que eles continuarão a exercer de maneira legítima para promover seus interesses.