Imagine um jantar de 8 mil anos atrás, às margens do Danúbio: peixes frescos sendo cozidos em potes de barro, enquanto os primeiros agricultores colhiam trigo e cuidavam de rebanhos. Essa cena, antes considerada improvável, ganhou respaldo científico graças a uma descoberta no sítio arqueológico conhecido como Portões de Ferro, entre a atual Romênia e Sérvia. Fragmentos de cerâmica neolítica carregando restos alimentares mostram que a dieta da época não era feita apenas de carne e laticínios, mas também de peixes, mudando nossa visão sobre a transição do Mesolítico para o Neolítico. Quem é ela? Séculos depois, nova teoria pode revelar identidade da 'Moça com Brinco de Pérola' A análise de mais de 200 fragmentos de cerâmica revelou altos níveis de ácidos graxos provenientes de peixes e outros recursos aquáticos. Utilizando cromatografia por espectrometria de massas, pesquisadores da Universidade de Bristol identificaram que a maioria dos recipientes era usada para cozinhar pescado, contrastando com outras regiões da Europa, onde a cerâmica neolítica processava carne de gado, ovinos e laticínios. “A maior parte da cerâmica aqui era usada para peixes ou outros recursos aquáticos”, afirmou a Dra. Lucy Cramp, líder do estudo publicado em 2019 no Proceedings of the Royal Society B. Interação cultural e mistura de tradições O que torna os Portões de Ferro únicos não é apenas a abundância de esturjão e outros peixes, mas também a interação cultural entre caçadores-coletores mesolíticos e agricultores neolíticos. Pesquisas indicam que, ao se estabelecerem às margens do Danúbio, as comunidades neolíticas incorporaram tradições alimentares locais, preservando a pesca como prática cotidiana. “O Danúbio não só oferecia recursos aquáticos abundantes, como também era um ponto de encontro cultural”, explica o Dr. Radu Spataro, coautor do estudo. Além de evidenciar o consumo contínuo de peixe, os vestígios sugerem mudanças nos métodos de preparo. Os recipientes de cerâmica indicam que ensopados e sopas se tornaram comuns, permitindo aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. Essa combinação de técnicas mesolíticas e práticas agrícolas neolíticas mostra como a alimentação era adaptativa, moldada pelo ambiente e pelo intercâmbio cultural. Apesar das evidências, os cientistas ainda se perguntam por que a pesca permaneceu tão central no Danúbio, enquanto declinava em outras partes da Europa. Seria a disponibilidade do esturjão suficiente ou haveria fatores culturais que privilegiavam alimentos aquáticos? E como exatamente os pratos eram preparados, quais receitas eram populares? Essas perguntas continuam em aberto, alimentando novas linhas de investigação sobre a vida cotidiana dos primeiros agricultores.