Até este domingo (19), a Cidade Estrutural volta a se tornar um grande palco de criação, convivência e resistência cultural. Em sua segunda edição, o Cena na Quebrada – Festival de Teatro consolida-se como uma das principais iniciativas de valorização da arte periférica no Distrito Federal. Totalmente gratuito, o evento ocupa praças públicas, escolas e o Espaço Cultural CREAS, mantendo o compromisso com a descentralização da cultura e a ampliação do acesso ao teatro. Mais do que uma mostra de espetáculos, o festival se estrutura como um movimento de afirmação artística e política. “O Cena na Quebrada surge da necessidade de democratizar o acesso ao teatro tanto para artistas e coletivos que historicamente tiveram sua produção invisibilizada, quanto para o público das periferias, que muitas vezes não tem acesso à fruição artística no próprio território”, explica Lucas Isaksson, diretor artístico do festival. Teatro como resistência Idealizado a partir da constatação de que os grandes eventos de artes cênicas raramente chegam a territórios periféricos, o festival se propõe a romper com a lógica elitista e excludente que marca parte da produção cultural. Para Isaksson, o evento “rompe com essa estrutura ao colocar a periferia no centro da cena teatral por uma semana, irradiando a partir dela reflexões sobre arte, território e cidadania”. Neste ano, a curadoria prioriza obras que dialogam com pautas sociais contemporâneas e ampliam a visibilidade de artistas historicamente afastados dos circuitos tradicionais. Entre os nove espetáculos selecionados estão produções de diferentes linguagens, como Os Saltimbancos (Coletivo Arrow Workshop), O Segredo do Tecnomundo (Grupo Teatro dos Ventos), Show de Palhágica (Chouchou Produções), Último Dia (Grupo Raiz de 3), Dia de Baile (Coletivo Ubuntu), Os Irmãos Sukulonsky (Cia. CircomVida), Eternos (Cia. Barril), Traquinagens de Maquinário e Maravilha (Grupo Chamados Lúdicos) e De Fio a Pavio (Cia. Cumbuca). O segredo do tecnomundo. Foto: Divulgação Dia de baile. Foto: Thaiane Miranda/ Divulgação A abertura oficial acontece hoje, às 20h, no Espaço Cultural CREAS. O evento de abertura será uma performance coletiva que traduz o espírito do festival, múltiplo, urbano e sensorial. Comunidade como protagonista Para Wanderson de Sousa, diretor de produção e morador da Estrutural, o festival é resultado direto da força comunitária. “Ver a Estrutural se transformar em palco de um festival como o Cena na Quebrada é algo profundamente simbólico. Eu que cresci nesse território, sei o quanto ele é potente, mas também o quanto foi invisibilizado ao longo dos anos. Produzir cultura aqui é um ato de resistência, de amor e de afirmação.” Segundo ele, esse ano o público pode esperar uma programação “mais ampla e diversa, com espetáculos que dialogam com diferentes faixas etárias e linguagens artísticas”, com destaque para as produções voltadas às crianças. Das nove apresentações, cinco foram pensadas especialmente para o público infantil. “Foi emocionante ver a comunidade ocupando os espaços das apresentações, com crianças, jovens e idosos vivenciando o teatro muitas vezes pela primeira vez. O festival deixou o sentimento de que a quebrada também é lugar de arte, celebração e resistência”, afirma. Wanderson destaca ainda os aprendizados da experiência: “Fazer cultura na periferia é também um exercício de gestão, diálogo e afeto. Aprendemos a importância do planejamento colaborativo, que envolve artistas, escolas e lideranças comunitárias, e o quanto a comunicação precisa ser acessível e próxima, usando redes sociais e o boca a boca como ferramentas poderosas de mobilização”. Linguagens que nascem do território Entre as produções desta edição está Dia de Baile , dirigido por Ellen Gabs e Gabriel da Paz, do Coletivo Ubuntu. A artista destaca a importância de trazer o funk e suas narrativas para o centro da cena: “A nossa proposta enquanto espetáculo é fazer uma imersão ao baile funk, trazendo o contato com a evolução do funk no Brasil, com a dança e com as histórias que acontecem dentro das nossas periferias”. A diversidade de linguagens é, para Isaksson, um reflexo direto da multiplicidade da quebrada. “A quebrada é múltipla, não pode nem deve ser reduzida a uma única forma de expressão. Buscamos reunir espetáculos que conversam com todas as faixas etárias e sensibilidades: alguns abordam amizade e afeto, outros trazem reflexões sobre violência policial, cotidiano e resistência. Há produções lúdicas e obras que incorporam o funk e a musicalidade popular como centro do debate”, explica. De fio a pavio. Foto: Sant.cae/ Divulgação Desafios e futuro Realizar um festival desse porte em um território periférico ainda impõe desafios. Isaksson ressalta que “os principais desafios estão diretamente ligados à captação de recursos e ao fomento cultural”. Segundo ele, a realização só é possível “graças ao Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal e ao profundo conhecimento das necessidades desse tipo de projeto por parte da equipe de produção”. Como parte do processo de aprimoramento, o festival adota nesta edição um questionário virtual para ouvir o público e compreender suas percepções. “Sentimos a importância de aperfeiçoar essa relação para entender o que funciona, o que pode ser melhorado e quais são os desejos da comunidade”, diz Isaksson. Com uma programação de cinco dias e nove espetáculos voltados a diferentes públicos, o Cena na Quebrada consolida-se como um espaço de celebração, escuta e transformação social por meio da arte. “Nosso objetivo é consolidar o Cena na Quebrada como uma referência em festivais teatrais periféricos e plantar sementes para que outras iniciativas floresçam”, conclui o diretor artístico. Show de palhágica. Foto: Jullyely Roberta/ Divulgação Programação: Dia 17/10 – sexta-feira A noite no Espaço Cultural CREAS começa com a Abertura Oficial às 20h, com DJ e encontro cultural, seguida do espetáculo "Dia de Baile", do Coletivo Ubuntu. A montagem investiga a cultura do funk como manifestação cultural originária das periferias, explorando-a não apenas como movimento musical, mas como símbolo de resistência e representação para grupos marginalizados. Dia 18/10 – sábado Às 16h, na Praça Central, a Cia. CircomVida apresenta "Os Irmãos Sukulonsky", que acompanha a jornada de dois irmãos circenses forçados a repensar a tradição familiar ao receberem um convite para criar um espetáculo contemporâneo. A peça é uma busca por um novo picadeiro onde a única bagagem é sua própria história. Às 20h, no CREAS, a Cia. Barril exibe "Eternos", espetáculo que transporta o público para a virada do milênio, acompanhando quatro amigos que fazem um pacto de amizade eterna ao final do ensino médio. Anos depois, o reencontro revela como o tempo transformou seus vínculos, em uma reflexão sobre a força e a fragilidade das relações. Dia 19/10 – domingo Às 16h, na Praça Central, o Grupo Chamados Lúdicos promove o espetáculo circense "Traquinagens de Maquinário e Maravilha", onde dois palhaços se enfrentam em desafios de truques e acrobacias, disputando a atenção da plateia em uma divertida brincadeira coletiva. Encerrando a programação, às 20h, no CREAS, a Cia. Cumbuca apresenta "De Fio a Pavio", baseado na crônica "A Moça Tecelã" de Marina Colasanti. A peça conta a história de uma moça e seu tear mágico em uma jornada de liberdade e autoconhecimento, refletindo sobre a importância de estabelecer limites e se libertar de amarras emocionais. Dia de baile. Foto: Thaiane Miranda /Divulgação Cena na Quebrada – 2ª Edição Quando: até 19 de outubro Onde: Cidade Estrutural (DF) – Praça Central, escolas públicas e Espaço Cultural CREAS Entrada gratuita