Monólogo “Invisível” expõe a violência em relações homossexuais

A violência doméstica e o abuso em relacionamentos amorosos seguem temas urgentes no Brasil, país que lidera rankings mundiais de assassinatos de pessoas LGBTQIAPN+ e registrou recorde de feminicídios em 2023. Mas ainda são raros os trabalhos artísticos que abordam, com profundidade, as dinâmicas abusivas entre casais do mesmo sexo. É justamente esse tabu que o monólogo “Invisível”, protagonizado por João Côrtes, coloca sob os refletores do Teatro Brasília Shopping, com apresentações hoje, amanhã e domingo. Com texto de Moisés Bittencourt e direção de Fernando Gomes, a peça foi indicada a melhor ator e melhor iluminação na Festa Internacional de Teatro de Angra dos Reis (FITA). A temporada brasiliense integra a programação da Mostra Teatral Brasília e conta com patrocínio do Grupo Bali, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura. Foto: Divulgação O amor que adoece Em cena, Côrtes interpreta Eduardo, um homem que vive um relacionamento abusivo com o namorado Michel, ambos interpretados pelo ator. A relação, inicialmente marcada pela paixão, se transforma em um ciclo de violência física e psicológica, agravado quando o casal passa a dividir o mesmo teto. Ao denunciar o parceiro, Eduardo enfrenta o descaso e o preconceito de quem deveria protegê-lo. “A sociedade fecha os olhos para determinadas minorias. Estamos mostrando que essas pessoas existem, não são invisíveis e estão no mesmo barco, seja trans, hetero, bissexual... ”, afirma o autor Moisés Bittencourt. O desafio do espelho Para João Côrtes, conhecido por trabalhos no cinema, na TV e na publicidade, o espetáculo representa uma virada artística e pessoal. É seu primeiro monólogo e, segundo o ator, também um mergulho em profundezas emocionais: “Essa é uma peça muito desafiadora, com uma demanda física e emocional enorme. Descobri uma força que não imaginava ter. Me arremessei inteiro nessa história, nesse penhasco e descobri que consigo voar”, conta. O ator destaca o processo de pesquisa emocional que empreendeu para dar vida aos personagens. “Apesar de não ter vivido um relacionamento abusivo, busquei abusos e sentimentos que vivi de qualquer maneira. Abuso é universal”, afirma. Para ele, “Invisível” é mais que um espetáculo: é também uma denúncia e um gesto político. “Existe uma visceralidade intrínseca no teatro. Estar ali, presente, exposto, é sagrado, ainda mais quando se aborda temas como esse. A responsabilidade é imensa. É mais do que teatro, é denúncia também. É político. Você pode estar representando muita gente ali no palco”, reflete. Foto: Divulgação Côrtes ainda ressalta o papel da arte como ferramenta de transformação. “A representatividade é fundamental nesse processo. É urgente contar histórias múltiplas, para que todos possam se sentir representados, vistos e honrados. Sem a arte, a vida se torna intragável, principalmente para quem traça caminhos tortuosos.” Entre o desconforto e a reflexão “Invisível” não se limita a retratar a dor da violência doméstica. A peça também convida o público a refletir sobre o silêncio que envolve o tema, especialmente entre homens. “Já ouvi inúmeros relatos de homens que viveram histórias parecidas e se sentiram confortáveis para compartilhar suas vivências comigo. Ao mesmo tempo, sei que essa é uma peça que incomoda, que provoca. Mas isso é um ótimo sinal. É através do incômodo que a mudança acontece”, diz Côrtes. A montagem aposta na força da interpretação e em uma estética minimalista para fazer o público encarar o desconforto como ponto de partida para a empatia. “Relações abusivas são complexas, cheias de camadas, nuances, contradições. Foi preciso cuidado e sensibilidade pra mergulhar nessas águas. É dentro desse jogo de poder, vulnerabilidade e violência que mora a riqueza dessa peça: falar de seres humanos, de luz e sombra”, conclui o ator. Foto: Divulgação Serviço Monólogo Invisível Onde: Teatro Brasília Shopping – SCN, Q. 5, Bl. A – Térreo Quando: 17, 18 e 19 de outubro. Sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h Ingressos: R$ 50 (meia) e R$ 100 (inteira). Populares: R$ 20 (meia) e R$ 40 (inteira) no site Duração: 65 min Classificação: 16 anos