O anúncio oficial de que o STF deixaria de contar com o ministro Luís Roberto Barroso — um professor admirado e exemplo de humanista, que foi definido pelo atual presidente da Corte como “um dos juristas mais talentosos da minha geração” [1] — não gerou uma súbita corrida pela vaga a ser aberta na Corte Constitucional brasileira. Corridas desta espécie iniciam-se muito antes, anos antes até. Como se sabe, a indicação recai, com exclusividade, sobre uma única pessoa: o presidente da República. A efetiva nomeação do novo integrante da Corte depende, todavia, de “aprovação pelo Senado Federal”, como determina expressamente o artigo 84, XIV, da Constituição. A imprensa nacional reservou amplo espaço ao tema na última semana, destacando que a “disputa” estaria centrada sobre o senador Rodrigo Pacheco e o advogado-geral da União, Jorge Messias, e as notícias mais recentes afirmam que o presidente teria já se definido pela indicação deste último. O tema, então, já é passado? Longe disso. O Brasil precisa debater, com urgência, o modo e os critérios para indicação de ministros dos Tribunais Superiores. Artigo: Impeachment de ministros do STF e democracia constitucional É senso comum que as indicações dos últimos anos têm seguido critérios de preferências pessoais e partidárias — e aí não vai nenhum demérito aos indicados, todos aprovados em suas respectivas sabatinas no Senado Federal e todos exercendo, atualmente, o seu papel no STF. É preciso, contudo, que o país comece a refletir sobre a conveniência de seguir critérios tão elásticos e personalistas. Não se trata tampouco de discutir se a composição do STF de hoje é melhor ou pior que as composições do passado, em uma espécie de debate futriqueiro que se tornou frequente nas rodas de advogados de todo país. Não custa lembrar que o STF chegou a ter, entre seus integrantes, o médico Cândido Barata Ribeiro, que exerceu por dez meses o cargo após ter sido indicado pelo marechal Floriano Peixoto. O marechal se pautara no fato de que a Constituição então em vigor exigia apenas “notável saber”, sem especificar que o saber deveria ser jurídico. A votação do Senado, que à época podia ocorrer após o exercício do cargo, acabou retirando Barata Ribeiro da Corte, mas o marechal ainda insistiu na ousadia e indicou mais dois nomes sem formação jurídica: Ewerton Quadros, general que havia sido decisivo para o fim da Revolução Federalista, e Demóstenes Lobo, diretor-geral dos Correios. Ambos forem rejeitados, em boa hora, pelo Senado. A história das indicações para o STF tem, em suma, altos e baixos — alguns baixos ainda mais baixos que outros. Não olhemos, todavia, para o passado, e sim para o futuro. O atual modelo é adequado? A livre indicação pelo presidente da República, sem necessidade de justificativa, é o caminho que nos levará à Corte Constitucional ideal para o país? A sabatina do Senado tem exercido seu papel? O que deve ser levado em consideração, afinal, na indicação e nomeação de um novo ministro para o STF? Salta aos olhos, em primeiro lugar, a questão da representatividade. O STF conta, hoje, com apenas uma ministra. Uma mulher entre dez homens soa como — e é — uma derrota bem mais constrangedora do que aquela imposta pela Alemanha à seleção brasileira (a masculina, vale registrar). Não se trata de solicitar ao presidente da República que atenda às demandas identitárias — o que seria, por si só, legítimo —, mas sim de desenvolver um modelo de indicações que nos conduza a uma composição da Corte Constitucional que reflita, minimamente, a composição plural da sociedade brasileira, não apenas no tocante à representatividade das mulheres, mas também das pessoas de pele preta, dos indígenas, das pessoas com deficiência e assim por diante. Uma Corte Constitucional deve ser, na medida do possível, um espelho da sociedade cujas principais demandas julga cotidianamente. E, para ficar apenas no exemplo das mulheres, há numerosíssimas juristas que poderiam ocupar a vaga aberta no STF. Artigo: É normal o sistema de Justiça levar 40 anos para punir improbidades? Uma pergunta que se impõe neste tema é a seguinte: a sociedade deveria ser ouvida sobre a indicação de novos integrantes da Corte? Em um livro intitulado “Supremo Interesse: A Evolução do Processo de Escolha dos Ministros do STF” (2020), o professor da Fundação Getúlio Vargas Álvaro Palma de Jorge defende, entre outras medidas, (a) a realização de audiências públicas antes das sabatinas no Senado; (b) a instituição de canais virtuais de participação social, com a incorporação à sabatina de perguntas enviadas por cidadãos; e (c) a apresentação de uma motivação da indicação pelo presidente da República, por meio de pronunciamento à nação ou nota oficial. São medidas salutares que aumentariam a transparência e, melhor ainda, a participação da sociedade no processo de indicação e nomeação dos integrantes da Corte Constitucional. Uma escolha tão importante não deveria se limitar a uma única pessoa — por mais elevado o cargo que ocupe — e não deveria depender exclusivamente da oitiva do entorno político do presidente da República. O atual modelo cria um incentivo indireto à lógica do favorecimento de laços pessoais, que podem desaguar em expectativas futuras sobre julgamentos decisivos para a nação. A legitimidade de uma Corte Constitucional perante a população vem, em larga medida, da confiança em sua neutralidade e independência. Se um presidente da República, seja ele qual for, tiver absoluta liberdade, como ocorre hoje, para indicar pessoas de seu próprio círculo, como a sociedade haverá de crer que os julgamentos do STF se baseiam na aplicação do Direito, e não em preferências puramente políticas? Essa preocupação é inevitável quando se observa que o STF julga, a todo tempo, questões que produzem impactos significativos sobre o governo, sobre as contas públicas, sobre as políticas públicas e até mesmo sobre as eleições — na medida em que a composição do Tribunal Superior Eleitoral é influenciada diretamente pela composição do STF, uma vez que a corte eleitoral é composta por sete magistrados, sendo três deles do STF. Artigo: Magnitsky e consequencialismo jurídico Um último ponto merece destaque. Já vimos que, ao longo de sua história, o STF passou por indicações bem mais excêntricas que aquelas que marcam os dias atuais. O que mudou, todavia, é que, talvez nunca em nossa história, o Brasil tenha precisado tanto de uma Corte Constitucional que se mostre inquestionável em sua legitimidade. A atual fratura ideológica que divide o país, associada à exposição excessiva do STF, lançou sobre nossa Corte Constitucional um ônus e uma responsabilidade sem precedentes. O STF precisa, mais que nunca, se provar superior às críticas que lhe são dirigidas. E, para isso, a composição do tribunal desempenha um papel inegável. O Brasil precisa de ministros capazes de serem aceitos pela opinião pública por seu brilhantismo, seriedade e imparcialidade. E nada além disso. *Anderson Schreiber é professor titular de Direito Civil da Uerj e professor da Fundação Getúlio Vargas NOTAS [1] Discurso de posse do ministro Luiz Edson Fachin, que destacou, ainda, as seguintes características de seu colega: “vitalidade intelectual, a inspiração que lhe é própria e a juventude de espírito que o distingue” (29.9.2025). Initial plugin text