'Qualquer hora passam aqui e atiram', disse amigo dias antes a uma das vítimas de ataque a fuzil a pessoas em situação de rua no Rio

Um dos homens mortos no ataque a tiros contra pessoas em situação de rua, na madrugada desta sexta-feira, em Irajá, na Zona Norte do Rio, era conhecido pelos moradores da região como Bahia. Antes de viver nas ruas, ele trabalhava como cabeleireiro. Segundo o relato de um morador que preferiu não se identificar, Bahia chegou a cortar o cabelo de sua mãe, que tinha Alzheimer. Além dele, um homem também foi morto e outro ficou ferido, ambos também em situação de rua. Aterros do Rio: a cidade que só existe porque avançou sobre as águas; na Baía foram aterrados o equivalente a mais de 2,3 mil campos de futebol Cedae x concessionárias: dados de esgoto são contestados por mais duas empresas; compensações pedidas já somam R$ 2,7 bilhões — Eu conhecia ele. Antes de ser morador de rua, o Bahia tinha um salão de cabeleireiro. Cortava o cabelo da minha mãe lá em casa. Depois que ele teve problema com droga, acabou vindo parar na rua. Já tem tempo que ele vive aqui embaixo do viaduto — contou o morador. Ele relatou ainda que conversou com Bahia dois dias antes do crime: — Passei aqui e perguntei do colchão dele, porque estavam recolhendo os colchões do pessoal. Ele disse que o dele estava guardado. A gente ainda brincou, uma colega falou: "qualquer dia passam aqui e atiram". E aconteceu — disse. Pessoas em situação de rua são alvos de ataque a tiros em Irajá, Zona Norte do Rio Reprodução / TV Globo O ataque ocorreu por volta das 4h da manhã, na Avenida Pastor Martin Luther King Jr., nas proximidades da Estação de Metrô de Irajá. Segundo a Polícia Militar, os criminosos desceram de um carro e dispararam contra as vítimas, que dormiam sob o viaduto. Cápsulas de fuzil e de pistola foram encontradas no local. Por que a rua vira casa? Conflitos familiares, desemprego e dependência química são os principais motivos De acordo com um policial que fazia a guarda da área, os disparos não foram concentrados em um único ponto — os corpos ficaram em extremidades opostas do viaduto. A perícia da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) foi acionada para investigar o caso, e equipes chegaram por volta das 9h. As vítimas viviam no local, onde há colchões, sofás, cobertores e roupas espalhados. Durante a manhã, equipes da Secretaria Municipal de Assistência Social também acompanham a situação e fiscalizam o atendimento às pessoas em situação de rua. Recomeço: Conheça as histórias de Marcelo e Joana, para quem a vida na rua ficou no passado 'Começava a cantar e animava todo mundo’ Antes de viver nas ruas, Bahia era percussionista e participou de atividades do Batikum Afro, projeto social que promove oficinas e apresentações de música afro-brasileira em comunidades da Zona Norte do Rio. Initial plugin text Segundo Luccas Xaxará, diretor do projeto, Bahia era uma presença constante nos encontros. — Ele cantava, participava e estava sempre com a gente. A gente tocava percussão baiana, e ele lembrava muito do território dele, de Salvador. Um dia ele apareceu do nada e começou a interagir, cantar junto. Daí criamos uma relação, todo ensaio ele aparecia — contou. Luccas fala das ações sociais com pessoas em situação de rua na região. — Já fizemos café da manhã com eles aqui. Nunca tivemos problema, muito pelo contrário, sempre apoiaram o projeto. O Bahia estava sempre por perto, sorridente, espontâneo — disse. De acordo com Xaxará, Bahia havia sofrido um AVC, o que limitou parte de seus movimentos, mas isso não o afastou da música. — Ele tinha uma paralisia no braço, então não conseguia mais tocar, mas cantava com a gente. Chegava, começava a cantar e animava todo munda — relembra. Segundo os moradores, o ataque a tiros é “estranho”, pois as vítimas que ali viviam já eram conhecidos da região. Uma mulher que preferiu não ser identificada disse que os homens em situação de rua não ameaçavam ou amedrontavam ninguém. — Se fosse o contrário, não estaríamos aqui falando isso. Eles ficavam na deles, até protegiam quem passava por aqui à noite — disse a moradora. O viaduto divide as comunidades Rio d’outo e Malvina, comandada pelo Terceiro Comando Puro (TCP). Initial plugin text