A cidade que transformou a palavra aterro em sinônimo da imensa área — 1,2 milhão de metros quadrados — pavimentada em cima do espelho d’água da Baía de Guanabara onde no dia 17 de outubro de 1965, há exatos 60 anos, foi inaugurado o Parque do Flamengo, se acostumou desde muito cedo a ver boa parte da sua linha de costa ser aterrada e redesenhada. Dados do Instituto Pereira Passados (IPP) mostram que apenas no período de 82 anos compreendido entre 1942 e 2024 o Rio avançou 16,55 quilômetros quadrados mar adentro, o equivalente a 2.318 campos de futebol como os do estádio do Maracanã. Como resultado dessa conta, algumas praias desapareceram e outras, como a de Copacabana e a do próprio Flamengo mudaram de figura. Impasse no Centro: Novas construções no Centro e no Porto esbarram em tombamentos históricos: no Castelo, um dos berços do Rio, projeto está emperrado há 11 anos De BRT a VLT: projeto que transforma corredores transporte é aprovado em primeira discussão pela Câmara do Rio Na época da construção do aterro, no ano de 1960, hpuve quem lamentasse na impressa o desaparecimento da antiga praia do Flamengo. Mas ela foi "restituída" aos cariocas ao fim das obras, nem mais distante do ponto original. Depois de amargar anos com a má fama de imprópria para banho, tem experiemtado melhora consistente da balneabilidade nos últimos anos. Uma atração e tanto a mais para o Parque do Flamengo. A vizinha Praia de Botafogo também passou pelo mesmo processo, sendo deslocada mar a dentro. Ela também apresenta melhoria nas condições de banho, mas ainda não atingiu o nível observado no Flamengo. Até a mais famosa praia do Brasil é fruto — na sua configuração atual — da intervenção do homem. Copacabana foi ampliada, e muito, entre o final dos anos 1960 e o início da década seguinte. Inaugurada em 1971, a obra alargou as pistas e deslocou a faixa de areia, que também foi aumentada, para longe do seu espaço original. Quem vê uma foto antiga do hotel Copacabana Palace, inaugurado em 1923, percebe que os hóspedes do centenário cinco estrelas ficavam praticamente com o pé na areia. De quebra, a orla ganhou uma exposição da mais fina arte concebida pelo paisagista Roberto Burle Marx. Além do ondulado calçadão de inspiração lisboeta, o pedaço exibe permanentemente os gigantescos mosaicos criados pelo artista para o canteiro central entre as pistas e a calçada junto aos prédios. Vistos do alto, os desenhos surgem a partir da mescla de pedras portuguesas pretas, brancas e vermelhas. Puro luxo sobre aterro. Galerias Relacionadas Na Zona Sul, a Lagoa Rodrigo de Freitas segue firme e forte, cartão-postal queridinho de turistas e cariocas. Mas encolheu bem, quase a metade. Comparando a área de espelho d’água traçada em 1809 pelo tenente-coronel Carlos José dos Reis Senna com a do ano passado são 46% a menos. Saiu de 4,1 para 2,2 quilômetros quadrados. A intensificação dos aterros ali se deu já no século XX, como mostra estudo elaborado pelo IPP tendo como base dados de 1928, 1942, 1975, 1999 e 2024. Ancoradouro na penha Outra curiosidade envolve o Santuário da Igreja de Nossa Senhora da Penha, que começou a ser construído em 1635. No século XIX, antes da chegada dos trens aos bairros, embarcações com romeiros partiam do Cais do Valongo, do Porto do Irajá e do Porto de Maria Angu tendo como destino um ancoradouro na base do templo. Na região de Manguinhos, quando a Avenida Brasil ainda não existia, o mar chegava bem próximo ao local onde fica a sede da Fundação Oswaldo Cruz. Quando o primeiro aterro surgiu, foi criado um aeroporto no lugar. Hoje, a área aterrada se estende quase até o Canal do Cunha e integra parte do complexo de favelas da Maré, abrigando, por exemplo, as vilas do João e dos Pinheiros. Lagoa Sobreposto ao mapa atual, o desenho de como era a Lagoa há 215 anos mostra que boa parte do Jockey Club do Brasil, do Baixo Gávea, da sede do Flamengo e dos prédios do conjunto conhecido como Selva de Pedra, além da sede náutica do Vasco da Gama, da Sociedade Hípica Brasileira, do campo de beisebol e das igrejas de Santa Margarida Maria e São José... tudo isso, e mais, está em terrenos conquistados por meio de aterros. — Desde o início da ocupação, modificar o espaço é uma forma de adaptação e o aterro é uma dessas transformações. No caso do Rio, os estudos de monitoramento do uso do solo mostram várias funções para esses aterros ao longo do tempo — explica o geógrafo Leandro Souza, gerente de Cartografia do IPP. — Se olharmos para a Zona Norte, no limite com a Baixada Fluminense, vemos uma série de aterros ao longo do século XX. Toda aquela área do Fundão, do Canal do Cunha, da Maré, parte do Mercado de São Sebastião, tudo isso foi aterrado em épocas diferentes, com finalidades distintas.