Na terceira visita à Casa Branca desde a posse de Donald Trump, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não escondeu o que estava no topo de sua lista de prioridades: receber do líder americano o sinal verde para a compra dos mísseis de cruzeiro Tomahawk, capazes de atingir as duas maiores cidades da Rússia, e que poderiam causar impactos sensíveis à guerra iniciada em 2022. Apesar das palavras afáveis de Trump, ele deixou a capital americana sem os Tomahawk, ao menos por enquanto, e viu o republicano, mais uma vez, olhar com bons olhos para o Kremlin de Vladimir Putin: segundo ele, o líder russo "quer fazer um acordo". 'Guerra contra os civis': Ucrânia denuncia ataque russo com quatro mortos, 600 drones e 12 horas de duração Entenda: O que significaria para a Ucrânia ceder o Donbass, como exige Putin? Ao contrário da caótica reunião de fevereiro, quando Zelensky se viu contra a parede, os líderes não economizaram sorrisos à mesa de reuniões. Ele fez elogios ao papel de Trump na costura do acordo de cessar-fogo em Gaza, e disse aos repórteres que os dois “começaram a se entender”. Mas em meio aos afagos, um repórter fez a pergunta sobre os Tomahawk, e a resposta não foi exatamente a que Zelensky esperava. — Vamos falar sobre Tomahawks, e preferimos que eles não precisem de Tomahawks. Preferimos que a guerra acabe. Eles são uma arma muito poderosa, mas também muito perigosa. E isso pode significar uma grande escalada — disse Trump. — Pode significar que muitas coisas ruins podem acontecer. Navio da Marinha dos EUA lança míssil de cruzeiro Tomahawk ERIC GARST/MARINHA DOS EUA/AFP Com capacidade para atingir alvos a mais de 2 mil km, os mísseis de cruzeiro Tomahawk são tratados como cruciais para ataques mais profundos dentro do território russo. Trump já sugeriu que poderia vender o armamento, e a Rússia diz que a transferência azedaria o clima entre Moscou e Washington. — A Ucrânia quer ter condições de atingir com o poder de combate razoável alvos estratégicos em profundidade no território russo, e o Tomahawk é um míssil que se presta a isso — afirmou ao GLOBO Paulo Filho, coronel da reserva e mestre em Ciências Militares. — Ele consegue transportar uma grande capacidade explosiva, e essa campanha que os ucranianos têm feito de atacar usinas termelétricas, refinarias, além dos alvos militares tradicionais, seria facilitada. Além do temor de desagradar os russos, Trump alega que os estoques de Tomahawks nos EUA não são numerosos — aos jornalistas, disse que não quer “abrir mão de coisas que precisamos para proteger nosso país”, sem fechar completamente a porta à venda. Ele não entrou em detalhes técnicos sobre os mísseis, tampouco sobre os sistemas necessários para usá-los: a maior parte dos lançadores está baseada em navios que a Ucrânia não tem, e os modelos terrestres são relativamente novos, e há pouca disponibilidade. — Quando falamos de um armamento como esse, precisamos pensar que não é uma arma qualquer, como um revólver calibre 38, que é dado na mão de alguém e ele atira. Aquilo ali envolve todo um sistema — explica Paulo Filho. Presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca TOM BRENNER / AFP Os Tomahawks não eram os únicos itens na lista de compras de Zelensky. Nas últimas semanas, ele apresentou um plano que envolvia a aquisição de US$ 90 bilhões em armamentos defensivos e de ataque, e levou em sua comitiva integrantes do governo que já negociaram com Trump. Citada pela AFP, uma fonte da delegação ucraniana disse que Zelensky mostrou mapas com possíveis alvos dentro da Rússia. Desde setembro, os EUA passaram a fornecer informações de inteligência mais precisas para ações contra instalações energéticas e militares em solo russo, e deu aval para que armas ocidentais sejam usadas nessas ações. Além do dinheiro, Zelensky propôs uma parceria na produção de drones, um campo no qual os americanos estão bem atrás de russos e chineses, e no qual os ucranianos se tornaram uma potência desde o início da guerra. Nos planos dos sonhos de Kiev, essa parceria seria uma contrapartida aos Tomahawk — segundo informações de bastidores, Trump demonstrou algum interesse na possibilidade, mas sem fazer qualquer gesto concreto. — Construímos nossos próprios drones, mas também compramos drones de terceiros, e eles produzem drones muito bons”, disse Trump. — A guerra com drones realmente ganhou destaque nos últimos anos por causa desta guerra. Entrevista ao GLOBO: 'A bola não está do nosso lado', diz Lavrov sobre negociação com Ucrânia A conversa não envolveu apenas armas, drones e afagos. Ao ser questionado sobre negociações, Trump evitou o mesmo tom pró-Kiev de setembro, quando afirmou que os ucranianos poderiam retomar todo o território ocupado, mas voltou a dizer que a Rússia poderia ter vencido a guerra “em uma semana”. A um jornalista da Fox News, afirmou que Zelensky e Putin estavam fazendo um “bom trabalho” nas negociações, sem mencionar a estagnação do diálogo entre os dois países. O líder ucraniano reiterou que as garantias de segurança contra uma nova invasão são “a coisa mais importante” para o povo de seu país. O tema é um dos mais espinhosos das conversas preliminares sobre um acordo de paz, uma vez que poderiam envolver a participação de uma força de paz estrangeira, uma linha vermelha para Moscou, além de armamentos mais modernos do Ocidente — A Otan é a melhor opção, mas as armas são muito importantes. Ter aliados ao nosso lado é muito importante — disse Zelensky, se referindo à principal aliança militar do Ocidente, cuja adesão de Kiev foi praticamente enterrada pela Casa Branca. — Queremos a paz, Putin não. É por isso que precisamos pressioná-lo. Em agosto: Após reunião no Alasca, Trump defende acordo de paz na Ucrânia, e não mais cessar-fogo, se alinhando a Putin Trump ainda pareceu empolgado com a iminente reunião com Putin, prevista para acontecer em Budapeste, em data a ser anunciada. Os dois conversaram na quinta-feira por quase duas horas, por telefone, mas ele reconheceu que o líder russo pode estar tentando ganhar tempo. — Sim, mas sabe, fui testado a vida toda pelos melhores, e me saí muito bem, então é possível, sim [que Putin queira ganhar tempo]. Acho que ele quer fazer um acordo — declarou Trump, sem detalhar de que tipo seria esse acordo, ou se envolveria, por exemplo, a cessão de terras ucranianas. Para o republicano, é mais fácil conduzir uma negociação quando as duas partes não se odeiam — como é o caso entre Putin e Zelensky —, mas espera ser capaz de resolver o conflito que havia prometido encerrar em 24 horas. Como tem acontecido desde a semana passada, quando não recebeu o Nobel da Paz, fez um lamento em tom de desprezo. — Adoro resolver guerras — afirmou. — Esta é a de número nove. Será a número nove para mim. Já resolvi oito, incluindo no Oriente Médio. Não ganhei um Prêmio Nobel, então não me importo com essas coisas. Só me importo em salvar vidas.