Reações espontâneas, comentários afiados, análises sérias, um toque de humor, e, às vezes, uma pitada de deboche. Os vídeos de react se tornaram um dos formatos preferidos da internet — uma espécie de companhia digital para assistir e comentar tudo junto com o influenciador da vez. Mas o que começou como brincadeira vem esbarrando cada vez mais em notificações extrajudiciais, vídeos derrubados e disputas por direitos autorais. Metanol: Família de mulher que chefiava fábrica clandestina é alvo de nova operação da Polícia Civil Adquiridos na Aliexpress: STM condena por fraude empresária que vendeu rádios falsos comprados em site chinês à Marinha Uma briga recente reacendeu o debate sobre os limites do react na internet. Em lados opostos estão o jornalista e advogado Benoni Mendes, conhecido como Ben e criador do quadro Ronda do Consumidor no YouTube, e o streamer Bruno Moreira, o popular Brino, do canal BruninZor. Com mais de 6 milhões de inscritos e cerca de 3 bilhões de visualizações, Brino passou a publicar uma série de vídeos reagindo ao conteúdo de Ben, que tem um canal focado na mediação de conflitos entre consumidores e empresas. Apesar de inicialmente trocarem mensagens amistosas e até divulgarem uma relação de amizade, a situação mudou quando Ben descobriu que Brino repassava 50% dos lucros obtidos com reacts a emissoras de TV, mas se recusava a fazer o mesmo com seu conteúdo. Incomodado, o jornalista decidiu tornar pública a insatisfação. Posteriormente, o advogado de Brino chegou a oferecer 25% da monetização como compensação, mas a proposta foi classificada como ofensiva pelo criador do Ronda do Consumidor. — Se o senhor não quiser enfrentar a Justiça, vai ser honesto com o seu público e pagar os direitos autorais. Dar a nós o mesmo direito que dá às emissoras — disse Ben em um pronunciamento sobre o caso, que classificou como “parasitismo”. Brino não rebateu a declaração explicitamente. O GLOBO procurou os dois influenciadores para comentar o ocorrido, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Os vídeos em que Brino reagia à Ronda do Consumidor foram removidos do canal BruninZor. Dilemas legais O react se tornou um dos formatos mais populares em plataformas como YouTube, TikTok e Instagram. Criadores acumulam milhões de visualizações reagindo a vídeos de humor, discursos políticos, clipes musicais ou produções jornalísticas. Alguns dos maiores canais chegam a faturar dezenas de milhares de reais por mês apenas com esse tipo de conteúdo. Embora amplamente aceito na internet, o formato levanta polêmica, já que sua legalidade depende do respeito aos direitos autorais e ao caráter transformativo do material. De acordo com o advogado especialista em direito digital Daniel Blanck, a legislação brasileira permite exceções aos direitos do autor quando há crítica, comentário ou paródia, desde que o uso seja justificado, proporcional e não substitua a obra original. Isso significa que o react precisa trazer valor novo, como uma análise crítica ou humorística, e não apenas reproduzir o conteúdo alheio com pequenas intervenções. — Mesmo que o vídeo esteja acessível ao público na internet, isso não autoriza qualquer pessoa a utilizá-lo indiscriminadamente, especialmente com fins lucrativos — afirma o advogado. No Brasil, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos com a doutrina do fair use (uso justo, na tradução), a legislação não prevê de forma expressa o uso flexível de conteúdos de terceiros. O fair use permite, em determinados casos, a utilização de obras protegidas por direitos autorais sem necessidade de autorização prévia, desde que ela seja considerada transformativa e não prejudique os interesses do autor original. Conforme explica Blanck, por aqui o criador original pode ajuizar ação judicial caso entenda que sua obra foi utilizada de forma indevida. Isso inclui situações em que o react exibe o vídeo integralmente e gera lucro sem autorização — como no caso da disputa entre Brino e Ben Mendes — ou quando há exposição negativa do influenciador. Além de alegar violação de direitos autorais, o autor pode também pedir indenização por danos morais se considerar que houve ofensa à sua imagem, honra ou reputação. — O fato de um vídeo de react conter comentários ou críticas não elimina automaticamente a possibilidade de responsabilização judicial. O criador original tem o direito de não concordar com o uso de sua obra, sobretudo se entender que houve prejuízo moral ou financeiro. Ainda que o react esteja dentro da chamada “transformação”, a monetização por terceiros pode ser questionada judicialmente, e caberá ao Judiciário avaliar se houve uso legítimo ou abuso — aponta o advogado. No universo dos streamers, há quem acredite que as reações prejudicam a visibilidade dos vídeos originais e desviam a audiência. Por outro lado, produtores como a youtuber e podcaster Jennifer Prioli defendem que os vídeos funcionam como vitrine, ajudando a divulgar e ampliar o alcance do conteúdo. Ex-bancária, ela conta que viu seu canal crescer quando passou a investir no formato de react. Hoje, Jenny, como é chamada, acumula mais de 117 mil inscritos. — O react virou uma forma de companhia. As pessoas me assistem como se estivessem vendo algo junto comigo. Reajo a conteúdos com os quais me sinto confortável. Evito coisas de TV aberta, porque sei que o risco de derrubar é maior — relata a youtuber. No início, Jenny fazia vídeos autorais e chegou a conquistar um público fiel, mas limitado. Foi ao reagir a vídeos que encontrou um caminho para crescer na internet — acompanhando tendências, reality shows e os temas mais comentados nas redes. Com um estilo que mistura crítica social, ironia e comentários sobre atualidades e fofocas, ela assume, porém, escolher cuidadosamente o que assiste, visto que já teve experiências ruins com bloqueios. Um vídeo seu reagindo ao programa Pesadelo na Cozinha chegou a 100 mil visualizações quando foi barrado por direitos autorais da Band. Para não perder o canal, ela precisou deletar os conteúdos às pressas. — Com todo esse dilema, acredito que em um futuro próximo o react pode caminhar para acordos mais claros entre criadores e detentores dos conteúdos. Já estou com a cabeça pronta. Se tiver uma comunicação, todo mundo ganha. Tem gente que me conhece por causa do react, e os donos dos vídeos também ganham visibilidade. Uma mão lava a outra — defende. Burlando a lei Na tentativa de evitar que seus vídeos sejam derrubados por violação de direitos autorais, é comum criadores recorrerem a truques como inverter a imagem, aplicar filtros, redimensionar a tela ou alterar a velocidade do conteúdo original, que pode ser um filme ou uma transmissão de futebol, por exemplo. Essas modificações visam burlar os sistemas automatizados das plataformas, como o Content ID do YouTube — ferramenta que identifica trechos protegidos por copyright e permite que o autor original bloqueie o vídeo ou reivindique a receita gerada. Mas, do ponto de vista legal, essas alterações cosméticas não eliminam a infração. Segundo a advogada Gabriela Payne Zerbini, especialista em propriedade intelectual, mesmo que o vídeo "passe" pelos filtros da plataforma, o conteúdo original continua sendo usado sem autorização, o que configura violação. Além disso, o uso de artifícios para mascarar a infração pode ser interpretado como má-fé, o que agrava a responsabilidade do criador. Nesse caso, o autor prejudicado pode entrar com ações judiciais mais severas, e a plataforma pode aplicar sanções administrativas, como strikes, remoção do vídeo, bloqueio do canal ou perda de monetização. — O ideal é que o “react” não seja apenas uma cópia. A autorização prévia continua sendo a forma mais segura de evitar litígios, visto que elimina o risco de interpretação subjetiva sobre o uso injusto. O recomendado é, sempre que possível, limitar a exibição do vídeo original ao mínimo necessário para a finalidade do comentário — orienta Zerbini.