Sem chance de defesa: três pessoas em situação de rua são assassinadas no Rio enquanto dormiam. Duas vítimas morreram

Duas pessoas em situação de rua foram mortas e uma terceira baleada, em um ataque a tiros, ocorrido na madrugada desta sexta-feira, em Irajá, na Zona Norte do Rio. Dois homens não tiveram qualquer chance de defesa. Eles estavam dormindo em colchonetes quando foram atingidos por disparos de fuzil e de pistola. A terceira vítima chegou a despertar e tentou correr, mas também acabou baleada. Ela está internada em estado grave no Hospital Getúlio Vargas, na Penha. 'Começava a cantar e animava todo mundo’: uma das vítimas de ataque a tiros em Irajá era percussionista e estava em projeto social Na Zona Norte: ataque a tiros contra pessoas em situação de rua deixa dois mortos e um ferido no Rio; cápsulas de fuzil e pistola foram encontradas Os disparos foram feitos por pelo menos três homens. Eles desceram de um carro e atiraram quando estavam a menos de dez metros de distância das vítimas. As execuções aconteceram embaixo de um viaduto, na Avenida Pastor Martin Luther King Jr., nas proximidades da Estação de Metrô de Irajá, por volta das 4h. A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) investiga se as mortes estariam ligadas a algum tipo de conflito envolvendo o tráfico na região. O elevado tem bases de sustentação com pichações da facção Terceiro Comando Puro (TCP) e divide as comunidades Malvinas e Rio D'Ouro, ambas controladas pelo mesmo grupo criminoso. Peritos e policiais examinam o local onde três pessoas em situação de rua foram baleadas Fabiano Rocha / Agência O Globo Segundo a polícia, a parte inferior da construção funcionaria como ponto avançado de venda de drogas durante o período noturno e madrugada. O local fica a seis quilômetros de distância do Morro do Juramento, que tem áreas controladas pelo Comando Vermelho (CV). A região tem histórico de ocorrência de tiroteios, desde o início do ano, por conta da disputa de territórios na região, envolvendo as duas facções criminosas. Violência: sobrevivente de ataque a tiros em Irajá foi baleado no rosto, num joelho e no tórax e segue entubado Um dos homens mortos no ataque era conhecido pelos moradores da região. Etervaldo Bispo dos Santos, de 52 anos, tinha o apelido de Bahia. Antes de viver nas ruas por mais de dez anos, trabalhava como cabeleireiro e, em seu estado de origem, era percussionista — atividade que seguiu em um projeto social oferecido no bairro. Além dele, um homem de prenome Fábio também foi morto. Já Jaílton Matias Anselmo, de 37 anos, foi atingido, segundo a família, por pelo menos três disparos — um no rosto, um no tórax e outro em um dos joelhos — e segue entubado no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Moradores disseram que as três vítimas eram queridas por todos no local. — Antes de ser morador de rua, o Bahia tinha um salão de cabeleireiro. Cortava o cabelo da minha mãe, que tinha Alzheimer, lá em casa. Depois que ele teve problema com drogas, acabou vindo parar na rua. Já tem tempo que ele vive aqui embaixo do viaduto — contou um morador, que preferiu não se identificar. Bahia vivia nas ruas, em Irajá, e está entre os mortos de ataque a tiros na madrugada Reprodução Ele relatou ainda que conversou com Bahia dois dias antes do crime: — Passei aqui e perguntei do colchão dele, porque estavam recolhendo os colchões do pessoal. Ele disse que o dele estava guardado. A gente ainda brincou, uma colega falou: “Qualquer dia passam aqui e atiram.” E aconteceu — disse. Crimes de 'serial killer' brasileira repercutem na imprensa internacional: 'realidade superou a ficção' Segundo moradores da região, de sete a dez pessoas em situação de rua costumam dormir embaixo do viaduto. O GLOBO localizou uma delas por volta das 13h desta sexta-feira. Ela contou que vai deixar o local por conta do medo de novos ataques. — Eu não fico mais aqui. Não dá para dormir mais neste local. Conheci os três baleados. O que fizeram foi uma covardia — disse. Durante a tarde desta sexta-feira, os rastros da violência ainda podiam ser vistos por quem passava pelo local. Colchonetes, roupas, um sofá e cobertas usadas pelas vítimas permaneciam posicionadas embaixo do viaduto. Marcas de sangue também podiam ser vistas. O ataque, que deixou dois mortos e um ferido grave, chocou os moradores do bairro. — As pessoas em situação de rua que ficam aqui não fazem mal a ninguém. Moro aqui há anos e conheço todos. Um deles até faz bico consertando aparelhos de televisão. Outros ganhavam dinheiro ajudando moradores a carregar bolsas — disse um morador. Ônibus no Rio: prefeitura lança licitação para definir quais serão os novos operadores Antes de viver nas ruas, Etervaldo Bispo dos Santos, mais conhecido como Bahia, era percussionista e participou de atividades do Batikum Afro, projeto social que promove oficinas e apresentações de música afro-brasileira em comunidades da Zona Norte do Rio. Segundo Luccas Xaxará, diretor do projeto, Bahia era uma presença constante nos encontros. — Ele cantava, participava e estava sempre com a gente. A gente tocava percussão baiana, e ele lembrava muito do território dele, de Salvador. Um dia ele apareceu do nada e começou a interagir, cantar junto. Daí criamos uma relação, todo ensaio ele aparecia — contou. Luccas fala das ações sociais com pessoas em situação de rua na região: — Já fizemos café da manhã com eles aqui. Nunca tivemos problema, muito pelo contrário, sempre apoiaram o projeto. O Bahia estava sempre por perto, sorridente, espontâneo — disse. De acordo com Xaxará, Bahia havia sofrido um AVC, o que limitou parte de seus movimentos, mas isso não o afastou da música. — Ele tinha uma paralisia no braço, então não conseguia mais tocar, mas cantava com a gente. Chegava, começava a cantar e animava todo mundo — relembra. O ataque está sendo investigado pela DHC. Os agentes da especializada vão tentar localizar câmeras que tenham flagrado a passagem do veículo usado pelos assassinos. Initial plugin text