PM que matou estudante de medicina em SP deu versões diferentes do crime antes de registrar boletim de ocorrência

PM que matou estudante de medicina em SP contou versões diferentes do crime O policial militar que matou o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, com um tiro à queima-roupa contou duas versões do crime aos colegas antes de o caso ser registrado na delegacia. O homicídio aconteceu em 20 de novembro de 2024, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. As imagens das câmeras corporais dos PMs, que registraram toda a ação, foram obtidas nesta semana pelo g1. A confusão começou quando Marco Aurélio deu um tapa no retrovisor de uma viatura que passava pela Rua Cubatão e correu para dentro de um hotel, onde estava hospedado com uma amiga. No veículo estavam os PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado. ✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp Após o tapa no retrovisor, os policiais desceram da viatura e seguiram o estudante até o saguão do hotel. Nas imagens, Guilherme aponta o revólver e grita “você vai tomar”, enquanto tenta puxar o jovem pelo braço. Em seguida, Bruno chuta o estudante, que reage segurando o pé do policial — ele cai no chão. Logo depois, Guilherme atira à queima-roupa, acertando o abdome do estudante. A vítima foi levada para o Hospital Ipiranga, mas não resistiu aos ferimentos. A unidade estava superlotada e sem equipamento de tomografia, segundo a ficha de atendimento médico (leia mais abaixo). No boletim de ocorrência, os PMs afirmaram que o estudante resistiu à abordagem, “entrou em vias de fato com a equipe” e tentou pegar a arma de Bruno — o que, segundo os vídeos, não aconteceu. PM Guilherme contou versões contraditórias sobre o homicídio aos colegas Reprodução Duas versões diferentes Durante o atendimento da ocorrência, as câmeras corporais registraram, em menos de 10 minutos, duas versões diferentes contadas por Guilherme aos colegas que chegaram ao local para prestar apoio. Na primeira versão, o policial disse que foi encurralado por Marco Aurélio: “Ele deu um tapa na viatura, e eu saí correndo atrás dele. Ali ele encurralou a gente. Eu tentei trazer ele na moral, ele veio, aí o Prado tentou partir pra cima dele. Ele derrubou o Prado. Nisso, ele veio pra cima de mim, e eu efetuei o disparo.” Já na segunda versão, Guilherme afirma que tentou conter o estudante antes de atirar: “Ele veio pra cima. Derrubou o Prado na escada. Aí eu tentei fazer a detenção dele de outra maneira. Veio pra cima de novo, e aí efetuei o disparo.” Segundo o advogado da família, Pedro Medeiros Muniz, os policiais não relataram aos colegas em nenhum momento que Marco Aurélio teria tentado pegar a arma do policial. A informação aparece somente no boletim de ocorrência. ➡️ Procurada, a defesa dos policiais, representada pelo advogado João Carlos Campanini, afirmou que "não teve qualquer mudança de versão em qualquer momento". Segundo ele, durante o interrogatório na audiência de instrução, "tudo isso foi demasiadamente bem explicado, inclusive após questionamentos dos advogados assistentes de acusação. Não aportou nada de novo aos autos". Marco Aurélio Cardenas Acosta, estudante de medicina morto pela PM em SP Reprodução/Instagram Hospital superlotado e fechado Bombeiros levaram o estudante a um hospital que sabiam estar com a emergência fechada por conta da superlotação, segundo a ficha de atendimento médica, obtida pelo g1. O jovem foi levado ao Hospital Ipiranga, que fica a cerca de 5 km da cena do crime. Antes de ser submetido a cirurgia, ele sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e morreu. Na ficha de atendimento, de 13 páginas, consta uma intercorrência: "emergência fechada em razão de superlotação e indisponibilidade de tomógrafo (inoperante há uma semana)". O documento também registra que o Núcleo Interno de Regulação (NIR) havia informado todas as equipes sobre a situação, mas que “a equipe de bombeiros trouxe [a vítima] mesmo sabendo da superlotação e ausência de tomógrafo”. Trecho da ficha de atendimento de Marco Aurélio Cardenas Acosta, estudante morto pela PM. Reprodução O tomógrafo — aparelho de diagnóstico por imagem que usa raios-x e computadores para gerar imagens internas do corpo — seria fundamental para localizar o projétil que perfurou o estudante. O que é NIR? É um setor do hospital responsável por gerenciar o fluxo de pacientes e recursos, incluindo a capacidade cirúrgica do pronto-socorro. O núcleo funciona 24 horas e é responsável por emitir alerta a outras unidades no caso de intercorrências. Depois de atirar, [os policiais] ameaçaram, insultaram, injuriaram e deixaram meu filho agonizar. A ambulância demorou, os bombeiros demoraram a chegar. A médica do Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) mandou longe, sabendo que não podia mandar lá, porque não tinha tomografia e estava lotado. Ele afirmou ainda que havia outros pronto-socorros mais próximos do local do crime, como o Hospital Santa Rita, a cerca de 20 metros do hotel. "Esse hospital que levaram era mais longe. Tinha o Hospital do Servidor Estadual, que meu filho, por ser filho de servidor, podia ser atendido; o Hospital das Clínicas a oito minutos; Hospital do Servidor Público Municipal na Vergueiro. Tinha um monte de hospitais, mas eles mandaram longe, para um hospital sem tomografia", afirmou o pai da vítima. Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que "o atendimento à vítima foi realizado respeitando integralmente os protocolos de emergência". "O jovem foi encaminhado prontamente ao Hospital Ipiranga, após contato com o médico regulador que atua no Copom. Esse profissional acompanha, em tempo real, a disponibilidade hospitalar, incluindo leitos, equipamentos e especialidades médicas, garantindo que a vítima seja levada ao local mais adequado para o atendimento" (leia na íntegra abaixo). 'Tem que sofrer mesmo' Bombeiros conversam sobre a falta de estrutura do hospital para onde a vítima foi levada Imagens de câmera corporal de um dos PMs registraram o momento em que dois bombeiros comentam sobre a falta de estrutura do Hospital Ipiranga na entrada do centro cirúrgico: Bombeiro 1: “Agora ele vai para cirurgia, só que falaram que está sem tomografia. Não tem como localizar nada. Vai ser na mão mesmo. Eles estavam mexendo nele lá." Bombeiro 2: “Tem que sofrer mesmo, pô,” Bombeiro 1: [ri] O que diz a SSP "A Polícia Militar esclarece que os diálogos descritos não representam o posicionamento institucional do Corpo de Bombeiros, tampouco condizem com as diretrizes e protocolos adotados pela Instituição. Os fatos relacionados à morte do estudante foram rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar. As imagens registradas pelas câmeras operacionais portáteis (COPs) foram anexadas aos procedimentos conduzidos pela Corregedoria da PM e pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). O policial militar envolvido foi indiciado por homicídio doloso no Inquérito Policial Militar (IPM) e permanece, desde o ocorrido, afastado de suas atividades operacionais. A Instituição aguarda a conclusão do processo criminal e a manifestação do Poder Judiciário. Importante destacar que o atendimento à vítima foi realizado respeitando integralmente os protocolos de emergência. O jovem foi encaminhado prontamente ao Hospital Ipiranga, após contato com o médico regulador que atua no Copom. Esse profissional acompanha, em tempo real, a disponibilidade hospitalar, incluindo leitos, equipamentos e especialidades médicas, garantindo que a vítima seja levada ao local mais adequado para o atendimento." Estudante de Medicina Marco Aurélio e o pai Reprodução/Arquivo pessoal