Envio de cartas diminui 70% em 20 anos, mas tradição de escrever à mão segue viva no interior de SP

Anna Carolina Fernani, 41 anos, coleciona cartas recebidas desde pequena Anna Carolina Fernani/Arquivo pessoal O tempo separado para escrever, envelopar, ir até uma agência dos Correios e esperar semanas (ou até meses) para a chegada da resposta de uma carta enviada foi substituída pela agilidade das mensagens praticamente instantâneas. Algumas gerações nem sabem o que seria essa prática. Segundo dados dos Correios compartilhados ao g1, o serviço postal no mundo todo vem registrando queda de volume de correspondência tradicional. Nos últimos 20 anos, o envio de mensagens caiu mais de 70%. Participe do canal do g1 Presidente Prudente e Região no WhatsApp Em Presidente Prudente (SP), a queda também foi registrada, principalmente nos últimos três anos. Entre janeiro e setembro de 2023, foram enviadas 2,3 milhões de cartas convencionais e/ou manuscritas. Em 2024 até houve um aumento, atingindo aproximadamente 3 milhões de envios. Entretanto, entre janeiro e setembro de 2025, o volume caiu para 2,2 milhões, indicando redução de 24,8% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Tradição segue viva Mesmo com esse novo contexto, a nutricionista Anna Carolina Fernani, de 41 anos, mantém viva a tradição e guarda as cartas trocadas desde pequena com pessoas especiais. Ao longo dos anos, foram somadas mais de 300 memórias feitas à mão. “A tecnologia é boa, mas é diferente daquele quentinho no coração que as cartas trazem, né? A expectativa do correio, de abrir um envelope, é diferente”, destaca. Algumas das cartas colecionadas por Anna são de amizades de infância. Ao ler, é como se ela voltasse para aquela época. “A gente tem um grupinho da escola e, mesmo fazendo o uso da tecnologia, como o WhatsApp para manter o contato com essas amizades antigas, a gente volta à lembrança de antigamente com as cartas”. “Eu tenho cartas de metros que a gente trocava uma com as outras. É muito gostoso resgatar esse sentimento, essa inocência, mesmo. O sentimento que eu tenho quando estou escrevendo é de aproximação, de intimidade”. “Quando você quer passar mais do que só palavra, só vídeo, só digitar. É um sentimento ali, eu acho que é o momento que a gente consegue, muitas vezes, colocar coisas que a gente não conseguiria até pessoalmente falar”. Além disso, a nutricionista é apaixonada por leitura e, ao participar de um clube de assinatura de livros, fez amizade com participantes de diferentes estados, há oito anos. Eles formaram um grupo no WhatsApp. As primeiras cartas enviadas por Anna ao correio começaram em 1995, quando ela tinha 11 anos Anna Carolina Fernani/Arquivo pessoal Troca de presentes mais afetivos Para tornar o contato mais próximo, os amigos decidiram fazer trocas de livros semestrais. “Na troca de livros, resolvermos resgatar essas cartinhas. Até comprávamos o livro direto pelo site que entregava sem frete, mas aí nós vimos que perdia aquela coisa pessoal, do carinho que traz o afeto…” “De você olhar, você ler a carta, quando você vai pegar o livro, que não é qualquer livro, não é qualquer presente, é algo que foi escolhido para você. É um jeito de estar presente, estando tão longe”, afirma. O pequeno Thomas, de quatro anos, está seguindo os passos da mãe e também faz cartinhas aos professores e a uma figura conhecida: o Papai Noel. “Tudo depende muito do incentivo dos pais, né? Então, a gente tenta ao máximo. No Dia das Crianças, ele ganhou um livrinho”. Mariana Crepaldi troca cartas com o noivo, após sugestão dele Mariana Crepaldi/Arquivo pessoal Memória material valiosa Uma sugestão romântica se tornou uma memória material valiosa para a psicóloga Mariana Crepaldi, de 40 anos. Afinal, a ideia de trocar cartas veio do próprio noivo, Felicio Ferreira, 37 anos, analista de sistemas. “A ideia de escrever e trocar cartas começou de uma forma muito especial: o Felicio me pediu em namoro com uma carta. A partir desse dia, decidimos que, todo dia 7 de cada mês, trocaríamos cartas”, relembra Mariana. Por ser mais tímido, Felicio demonstra melhor os sentimentos com as palavras, segundo a noiva. “Nas cartas, contamos como nos sentimos naquele mês, relembramos os momentos bons e os desafios que vivemos, e também falamos sobre o que desejamos construir no futuro”. “Um ano depois do pedido de namoro por cartas, ele me pediu em casamento também por carta”, afirma. Mariana sempre gostou de escrever e, na infância, adorava escrever letras de músicas e trocar cartinhas com as amigas nos famosos “papéis de carta”, papéis decorados justamente para serem escritos e partilhados com alguém especial, como forma de presente. Mariana Crepaldi e o noivo Felicio Ferreira Mariana Crepaldi/Arquivo pessoal “Infelizmente, não tenho mais essas cartas guardadas, mas recentemente encontrei, numa Bíblia, um recadinho de amigos de infância que me trouxe uma onda de boas lembranças”, continua. Mesmo morando juntos em Presidente Prudente, o casal mantém viva a tradição. “Hoje, com o ritmo acelerado da vida, acredito que o simples gesto de alguém parar para escrever uma carta — especialmente à mão — diz muito sobre o valor que dá à relação”. “Quando recebo uma carta do Felicio, fico curiosa para saber o que ele escolheu compartilhar, o que ele achou mais importante das nossas vivências. Ao ler, sinto alegria, tranquilidade e amor”, completa Mariana. Segundo os Correios, apesar da existência de maneiras mais modernas e rápidas, a prática de enviar cartas ou cartões-postais ainda encontra adeptos. Um exemplo são as ações de responsabilidade social que estimulam a criatividade e o hábito da escrita, como o Papai Noel dos Correios e o Concurso Internacional de Redação de Cartas. Veja mais notícias no g1 Presidente Prudente e Região VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM