Em meados de setembro de 2025, Londres foi palco de um dos maiores protestos de sua história: entre 110 mil e 150 mil pessoas marcharam no comício “Unite the Kingdom”, organizado por Tommy Robinson, em tom abertamente anti-imigração e nacionalista. Robinson invocou expressões como “a hora mais sombria da Inglaterra”, que ficou famosa com o filme Darkest Hour , sobre o momento mais difícil da administração de Churchill, quando da retirada das tropas de Dunquerque e a iminente invasão nazista à ilha, que acabou não ocorrendo. + Leia mais notícias de Mundo em Oeste Mas será que esse é realmente o momento mais sombrio da Inglaterra? O coração da pauta das manifestações foi o “caos migratório” que, segundo os manifestantes, estaria transformando de forma irreversível a identidade inglesa. Em Londres, os britânicos nativos já são minoria. A presença muçulmana é simbólica e institucional: os prefeitos das principais cidades, como Londres e Birmingham, são muçulmanos, e a comunidade islâmica mantém influência crescente em estruturas paralelas, como os tribunais de sharia, que funcionam em diversas localidades para arbitrar questões familiares e civis segundo a lei islâmica. Estimativas apontam para cerca de 85 conselhos de sharia operando no país. Essa mudança é também geracional. As famílias muçulmanas têm, em média, mais filhos que as nativas, e não é por acaso que “Mohammed” é, há anos, o nome mais registrado para recém-nascidos na Inglaterra e no País de Gales . https://twitter.com/RealDonKeith/status/1974442368477847974 O Estado britânico, com um generoso sistema de bem-estar social, financia parte desse crescimento: benefícios habitacionais, auxílio-desemprego e créditos fiscais por filho são amplamente acessados por famílias imigrantes. Isso cria a percepção, explorada nos protestos, de que os contribuintes nativos sustentam comunidades que, em muitos casos, não compartilham os mesmos valores culturais. Paralelamente, o cristianismo tradicional inglês encolhe. Centenas de igrejas foram fechadas ou convertidas, enquanto novas mesquitas surgem a cada ano. A retórica dos manifestantes é direta: a Inglaterra estaria se tornando estrangeira dentro de si mesma, um país em que a maioria trabalha para sustentar minorias organizadas que crescem em número e influência. Outro eixo do protesto foi a criminalidade associada à imigração em massa. Em bairros inteiros de Londres, Birmingham ou Manchester, os knife crimes (ataques com armas brancas) se tornaram rotina. Estupros coletivos cometidos por grupos paquistaneses em cidades como Rotherham e Rochdale revelaram a brutalidade dos atos e também a conivência de autoridades que, por medo de serem acusadas de racismo, deixaram de agir. A capital do império que um dia dominou o mundo se tornou uma cidade em que bairros inteiros parecem pertencer a outras culturas, regidas por códigos e valores alheios à tradição britânica. Essa sensação de perda se agrava com o cerceamento da liberdade de expressão . As leis britânicas de comunicação, redigidas para coibir discurso de ódio, hoje são usadas para punir opiniões incômodas. Em 2023, mais de 12 mil pessoas foram presas por “ofensas de fala”, média de 30 por dia. Entre os casos recentes estão o blogueiro Pete North, preso por publicar um meme, o roteirista Graham Linehan, detido por críticas ao movimento trans, e a jovem Lucy Connolly, condenada a 31 meses de prisão por um tweet contra requerentes de asilo. Até reuniões pacíficas de grupos conservadores vêm sendo invadidas pela polícia. Para muitos nativos, o medo é duplo: o de perder o país e o de ser preso por dizê-lo em voz alta. + EUA acusam Europa de punir cidadãos pelo 'crime' de criticar seus próprios direitos A crise econômica também alimenta esse sentimento. O desemprego chegou a 4,7% entre maio e julho de 2025, somando 1,67 milhão de pessoas, enquanto os salários cresceram 4,8%, avanço que mal cobre a inflação de 3,8%. O PIB real subiu apenas 0,3% no segundo trimestre, com projeções anuais tímidas. A saída da União Europeia, celebrada como a reconquista da soberania, devolveu ao governo britânico o controle sobre fronteiras e comércio, mas trouxe barreiras alfandegárias, custos adicionais e perda de competitividade. O Brexit deu autonomia política, mas não prosperidade: Londres recuperou o poder de decidir, mas não soube o que fazer com ele. https://www.youtube.com/watch?v=2bTSm8311jQ Trailer de Darkest Hour ( O Destino de uma Nação ) Não à toa, ocorreu uma sucessiva queda de premiês conservadores até as eleições de 2024, quando os trabalhistas venceram de forma inconteste, e os conservadores quase se viram perdendo a segunda posição para os liberais-democratas. A instabilidade política britânica recente é tão emblemática que reforça a sensação de um país que não sabe mais quem realmente o governa. Nesse vácuo, emergiu o Reform UK, partido populista de direita liderado por Nigel Farage, que hoje ameaça substituir os conservadores como força de oposição central. Desde as eleições gerais de 2024, percebe-se a erosão da base conservadora: o partido sofreu uma das suas piores derrotas históricas, reduzindo seu número de cadeiras a patamares críticos, enquanto parte de seus eleitores migrou diretamente para o Reform UK, que ganhou musculatura nas eleições locais de 2025, conquistando 677 assentos locais e controlando dez conselhos municipais e duas prefeituras importantes. Leia também: É oficial: as leis islâmicas contra a blasfêmia chegaram à Grã-Bretanha , artigo de Fraser Myers, da Spiked, publicado na Edição da Revista Oeste Do lado trabalhista, o governo de Keir Starmer (Partido Trabalhista, de esquerda) vem enfrentando um desgaste antes inesperado. Em agosto de 2025, apenas 24% da população tinha uma visão positiva dele, enquanto 68% tinham opinião desfavorável, resultando em um índice líquido de aprovação de –44%. Pesquisas apontam que a popularidade de Starmer despencou, com mais de dois terços dos britânicos vendo seu governo com ceticismo ou rejeição. Em termos comparativos, isso coloca Starmer entre os líderes ocidentais com menores índices de aceitação pública. Sem identidade nacional, invadida por povos e culturas alienígenas que destroem sua cultura milenar, e com uma gigantesca crise econômica e política, sem que tenha havido, a qualquer momento, uma guerra declarada, mas sim uma sucessão de derrotas invisíveis que corroem lentamente a confiança nacional, a Inglaterra hoje parece tatear no escuro, dividida entre o medo e a nostalgia, entre a tolerância e a rendição. Churchill enfrentou tanques e bombas, mas o inimigo era externo e claramente perceptível; já o governo atual enfrenta o esquecimento de si mesmo tomado por inimigos que sitiam a Inglaterra por dentro de maneira insidiosa e invisível. Em uma gigantesca ironia, o império que ficou conhecido como “aquele onde o Sol nunca se põe” agora atravessa uma grande noite sombria e sem perspectiva de uma alvorada. * Bernardo Santoro é cientista político e advogado, mestre e doutorando em Direito pela UERJ, conselheiro do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados. O post A hora mais escura da Inglaterra? apareceu primeiro em Revista Oeste .