O dia 2 de setembro deste ano foi um divisor de águas para Gabriel Cepaluni. Professor concursado do departamento de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) desde 2010, ele foi impedido de realizar o seu trabalho na data em questão. Em vez de lecionar, sofreu empurrões, chutes e socos . Capitaneada por um grupo de alunos, a agressão ainda contou com xingamentos como “fascista”, “nazista”, “sionista”, “assediador” e “abusador”. O ato de violência em pleno local de trabalho, o campus da Unesp em Franca , faz com que Cepaluni repense a sua trajetória profissional. Afastado da sala de aula desde a agressão física que sofrera, ele revela o diagnóstico de estresse pós-traumático e admite a possibilidade de abandonar o ambiente acadêmico. “Acredito que minha carreira como professor universitário chegou ao fim — ao menos nos moldes em que a exerci até hoje”, relata, em entrevista a Oeste . “No momento, não me sinto em condições de retomar aulas presenciais em universidades brasileiras.” A ideia de trocar de profissão vai além dos golpes físicos que levou. Cepaluni lamenta a falta de apoio por parte da direção da Unesp. Além disso, com a experiência de alguém que atua como professor universitário há 15 anos, vê uma dificuldade cada vez maior àqueles que, como ele, não seguem a cartilha ideológica da esquerda, ainda mais em instituições de ensino mantidas pelo Estado. + Leia mais notícias de Brasil em Oeste “As universidades públicas, infelizmente, refletem essa tensão: muitos docentes sérios e comprometidos têm se afastado, enquanto parte do debate acadêmico vem sendo substituída por disputas ideológicas”, avalia Cepaluni. “Isso enfraquece a vida intelectual, distancia a sociedade das humanidades e gera desconfiança.” Momento em que o professor (de chapéu) é cercado por estudantes na Unesp | Foto: Câmera de segurança/Unesp Franca Entrevista com Gabriel Capaluni, professor da Unesp Na entrevista a Oeste , Cepaluni dá detalhes de sua carreira acadêmica, explica o que tem feito desde que foi agredido fisicamente dentro da Unesp, adianta que age para que os culpados sejam devidamente responsabilizados e avalia o cenário universitário no Brasil. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista. Visão acadêmica Como e quando o senhor começou a se interessar pela vida acadêmica? Meu interesse pela vida acadêmica surgiu no primeiro ano dos cursos de ciências sociais na Universidade de São Paulo e de jornalismo na Universidade Metodista, em 1996. Antes disso, participei de um grupo de estudos com colegas comunistas, mas logo me afastei por considerar o ambiente excessivamente doutrinário. Nos últimos 20 anos, tenho procurado integrar minhas pesquisas estatísticas para desenvolver uma teoria sobre como os países podem prosperar dentro do capitalismo e de forma democrática, que chamo de “Institucionalismo de Mercado Justo”, uma síntese entre liberdade política, instituições fortes e justiça social. Como foi para o senhor, então com 35 anos, passar no concurso para ser professor da Unesp, em 2010? Fiquei muito feliz com a aprovação, mas logo percebi os desafios do ambiente universitário. Com o tempo, percebi que o meio acadêmico pode ser extremamente dogmático e fechado. É doloroso ver o quanto fatores extra-acadêmicos podem interferir na vida profissional de um docente. Às vezes penso que, se pudesse voltar no tempo, talvez tivesse escolhido outro caminho — quem sabe ciências exatas —, uma área em que as divergências tendem a ser mais técnicas do que pessoais. Antes de se tornar professor concursado da Unesp, o senhor já havia lecionado em outras faculdades? Lecionei em instituições de ensino superior em Florianópolis e também em São Paulo, antes de ingressar na Unesp. Isso foi há cerca de 20 anos, em uma fase em que eu ainda conciliava a docência com o doutorado. https://www.youtube.com/watch?v=sJ5XvjA65G0 Quais são os principais desafios de ser um professor universitário que não compactua com a cartilha dos ideais promovidos pela esquerda? A extrema esquerda está mais presente nos cursos de humanas das universidades públicas, embora eu não acredite que seja maioria. O problema é que a inércia institucional e certas táticas de coerção dificultam muito que quem pensa diferente se manifeste. Hoje, a sociedade espelha o comportamento das redes sociais: nelas, barulho e acusações infundadas ganham mais espaço do que a verdade. Sou crítico do radicalismo de esquerda porque ele predomina no ambiente em que atuo, mas também sou contrário aos autoritarismos de direita. O extremismo destrói o diálogo e ameaça a todos — inclusive seus próprios adeptos. Análise de quem está inserido no meio acadêmico de uma universidade pública: há propagação da ideologia esquerdista na sala de aula? Sim. As universidades públicas brasileiras, especialmente nas áreas de humanas, são predominantemente de esquerda. Quando se propõe a leitura de um autor liberal, muitas vezes há resistência — a menos que o texto sirva para críticas. Esse desbalanceamento é mais acentuado na América Latina do que na Europa ou nos Estados Unidos. Um verdadeiro acadêmico deve ler amplamente, confrontar ideias e formar seu próprio juízo. O debate entre “esquerda” e “direita” é limitador. O que realmente preocupa é o extremismo, que recorre à desinformação e à coerção para manter poder e influência. Isso gera medo e autocensura. Agressão na sala de aula da Unesp Como ocorreu, no dia 2 de setembro de 2025, a agressão física que o senhor sofreu dentro do campus ? Como o grupo de agressores se reuniu e chegou até o senhor? Na verdade, para minha surpresa, apenas vi um monte de gente na frente da minha sala e só depois percebi que o protesto estava direcionado contra mim. Cabe à universidade e às autoridades investigarem como esse grupo se organizou. Imagens mostram que o grupo de agressores era composto por, no mínimo, algumas dezenas de estudantes. O senhor, que estava sozinho, chegou a temer pela sua vida? O que o senhor fez ou tentou fazer durante a agressão? Em princípio, acreditei ser possível estabelecer diálogo. Contudo, naquele episódio, o grupo pareceu priorizar a hostilidade e os insultos, o que inviabilizou qualquer conversa. Não houve contato prévio comigo, e eu havia retomado as aulas havia poucas semanas, depois de um período de afastamento sem vencimentos, durante o qual trabalhei no exterior. Sofri empurrões, fui derrubado, levei chutes e golpes na região da cabeça, o que representou risco concreto à minha integridade física, conforme registrado em boletim de ocorrência e atendimentos médicos. Um dos resultados da agressão sofrida pelo professor da Unesp: óculos entortados | Foto: Arquivo pessoal/Gabriel Cepaluni O senhor chegou a ser hospitalizado? Fez exame de corpo de delito? O que os laudos pós-agressão indicaram? Logo depois do ataque, registrei boletim de ocorrência e fui encaminhado ao Pronto-Socorro Municipal de Franca, onde recebi atendimento médico de urgência, conforme os registros hospitalares e o atestado de corpo de delito solicitado pela Polícia Civil. Os laudos indicam lesões na região craniana compatíveis com agressão física, reforçando a tipificação de lesão corporal. Permaneci em observação hospitalar e, posteriormente, fui diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático, o que levou ao afastamento médico por 90 dias. Então, o senhor está afastado da sala de aula desde o episódio de agressão física… O afastamento decorre de recomendação médica psiquiátrica, amparada por atestados do hospital e do Instituto Médico-Legal, em razão do trauma físico e psicológico sofrido. Embora a diretoria da unidade tenha posteriormente homologado o pedido de acidente de trabalho, a iniciativa foi minha, motivada pela necessidade de tratamento contínuo para o transtorno de estresse pós-traumático. Tive muito pouco amparo da universidade, muito aquém do que a lei determina. Com esse relato de “pouco amparo”, como tem sido, desde então, a sua relação com a universidade? Infelizmente, não houve suporte institucional efetivo imediato. O setor de recursos humanos reconheceu que “não ocorreu nenhum atendimento profissional” no momento do fato, e nenhum socorro médico ou policial foi acionado pela universidade. A comunicação com a reitoria limitou-se a e-mails formais, e as medidas protetivas ou psicológicas não foram implementadas. Em termos policiais, o senhor registrou boletim de ocorrência. Como está a investigação do caso? Foram solicitadas imagens de câmeras de segurança e depoimentos de testemunhas. Confio no trabalho da Polícia Civil e do Ministério Público, embora reconheça que o sistema de Justiça brasileiro seja, por vezes, moroso e imperfeito. "Mantenho esperança de que haja algum tipo de responsabilização, pois a impunidade seria um sinal de enfraquecimento das próprias instituições que devemos preservar" Na parte da universidade, como estão as diligências internas para identificar e, consequentemente, punir os agressores? A universidade informou, mais de um mês depois do ocorrido, que instaurou um “procedimento de apuração preliminar”. No entanto, desconheço comunicação oficial sobre o andamento ou resultados. A nota pública da instituição, embora correta ao repudiar a violência, omite fatos documentados — como a ausência de socorro imediato, a inexistência de protocolo de segurança e a falta de acompanhamento médico ou jurídico. Ainda assim, mantenho esperança de que haja algum tipo de responsabilização, pois a impunidade seria um sinal de enfraquecimento das próprias instituições que devemos preservar. Desde quando parte dos alunos passou a te xingar de "fascista", "nazista", "sionista" e "assediador"? É impressionante como alguns dos agressores tentam inverter os papéis. Passei a ser alvo de insultos e acusações infundadas, sendo chamado de “fascista”, “nazista”, “sionista”, “assediador” e “abusador” — termos graves, usados de forma irresponsável e sem qualquer prova. Se levadas ao pé da letra, tais palavras me colocariam como uma das piores pessoas da história, o que é evidentemente absurdo. Sou apenas um professor, sem envolvimento político ou cargo de poder, e considero preocupante o grau de irracionalidade e a aparente confiança na impunidade com que certos grupos têm agido. Fachada de um campus da Unesp, universidade pública que teve professor agredido em plena sala de aula | Foto: Divulgação/Unesp Acredita que esse tipo de ofensa se tornou comum pelo simples fato de o senhor, enquanto um pesquisador de assuntos internacionais, ir contra o pensamento esquerdista? Acredito que, sim, parte dessas ofensas decorre do fato de eu não seguir determinadas cartilhas ideológicas e de sempre priorizar o debate racional e o rigor acadêmico. Em ambientes polarizados, isso costuma gerar resistência e, em alguns casos, hostilidade. Também é possível que minha trajetória como pesquisador com reconhecimento internacional desperte incômodo em alguns setores, o que, infelizmente, se manifesta de forma pessoal e ofensiva. O senhor pensa em processar a Unesp? Meus advogados — do escritório Duarte & Almeida — estão conduzindo as medidas cabíveis nas esferas administrativa, cível e criminal. A atuação abrangerá diferentes frentes — administrativa, cível e criminal. A universidade deverá responder judicialmente pelas omissões e falhas institucionais que permitiram que a situação chegasse a esse ponto. Futuro profissional A agressão física fez o senhor repensar a sua carreira? Acredito que minha carreira como professor universitário chegou ao fim — ao menos nos moldes em que a exerci até hoje. No momento, não me sinto em condições de retomar aulas presenciais em universidades brasileiras. Fui marcado por grupos estudantis que, em vez de promover o diálogo, escolheram o caminho da hostilidade. Chegaram a convocar todo o movimento estudantil brasileiro contra mim. Terei de me reinventar de alguma forma, mesmo que continue formalmente vinculado à Unesp. No entanto, é difícil se reinventar aos 50 anos, quando muitos colegas já estão desacelerando. Ainda assim, estou aberto a novas possibilidades e projetos — dentro ou fora da academia. Com professores sendo alvo de agressões (inclusive físicas), como o senhor vê o futuro das universidade públicas no Brasil? Acredita que aqueles que não seguem a cartilha da esquerda terão cada vez menos espaço? A polarização política, somada à ampliação das redes sociais e à perda de confiança nas instituições, agravou esse cenário. As universidades públicas, infelizmente, refletem essa tensão: muitos docentes sérios e comprometidos têm se afastado, enquanto parte do debate acadêmico vem sendo substituída por disputas ideológicas. Isso enfraquece a vida intelectual, distancia a sociedade das humanidades e gera desconfiança. "Profissionais moldados por visões dogmáticas tendem a reproduzir intolerância e resistência ao contraditório" O que o senhor diria hoje para algum colega não esquerdista que pensa em se dedicar a carreira acadêmica, inclusive prestando concurso para alguma universidade pública? As universidades estão formando muitos doutores, enquanto contratam cada vez menos. É um ambiente em que a relevância política costuma ser limitada, mas a necessidade de lidar com a política universitária é constante. Se a pessoa realmente amar o que faz, deve seguir em frente — o entusiasmo intelectual ainda pode compensar as dificuldades. No meu caso, a carreira me permitiu conhecer o mundo, dialogar com pessoas brilhantes e aprender muito. Mas é preciso realismo: a remuneração é modesta diante do esforço e da qualificação exigida. Para além da sala de aula, quais os riscos de universidades, sobretudo públicas, ajudarem a formar para o mercado de trabalho profissionais que carreguem a doutrinação esquerdista em seus pensamentos? O risco é real quando a formação universitária deixa de priorizar o pensamento crítico e a pluralidade de ideias. Profissionais moldados por visões dogmáticas tendem a reproduzir intolerância e resistência ao contraditório, o que pode prejudicar tanto o ambiente de trabalho quanto a inovação. Instituições e empresas responsáveis devem valorizar competência, ética e capacidade de diálogo — e não a adesão a uma determinada ideologia. Àqueles que lhe agrediram, o que o senhor diria caso tivesse a oportunidade de ficar frente a frente com eles novamente? Eu perguntaria o mesmo que disse naquele momento: “Por que estão fazendo isso comigo se nem me conhecem?”. Ainda acredito que o diálogo pode transformar, como ocorreu em momentos históricos de reconciliação, como no pós-apartheid da África do Sul. Mas também reconheço que há grupos extremistas que se julgam representantes exclusivos do bem e, por isso, acreditam que os fins justificam os meios — e isso é o que torna esse tipo de radicalismo tão perigoso. Leia também: "Universidades do ódio" , reportagem de Branca Nunes e Mateus Conte publicada na Edição 288 da Revista Oeste E mais: "Vítimas da intolerância" O post ‘Minha carreira chegou ao fim’, lamenta professor agredido na Unesp apareceu primeiro em Revista Oeste .