Herdeiro do grupo Prada, Giulio Bertelli estreia como diretor de cinema e descarta assumir império da família: 'Não há espaço para isso'

As águas do Rio de Janeiro não são novidade para Giulio Bertelli. O italiano, de 35 anos, já havia cruzado as correntes marítimas da cidade como atleta de vela, esporte que pratica desde a infância. Mas, na última semana, encarou outro tipo de travessia: a estreia de seu primeiro filme como diretor, “Agon”, no Festival do Rio. “É a primeira vez que viajo com o longa e me conecto com um público diferente. E, sendo no Brasil, é especial”, diz ele, com uma moderação que subverte o estereótipo histriônico de seus compatriotas. Na entrevista, feita no hotel onde ficou hospedado, em Copacabana, mostrou intimidade com o solo carioca: depois da conversa, varou a noite num reduto de samba no Centro. Filho de Miuccia Prada — dona da grife italiana que leva o sobrenome do clã e uma das principais acionistas do Grupo Prada, que tem no portfólio etiquetas como Miu Miu e Versace — e do empresário Patrizio Bertelli, Giulio decidiu não se envolver nos negócios da família, diferentemente de seu irmão mais velho, Lorenzo, que atua como diretor executivo da marca desde 2021. “Apesar de eu ser muito próximo de todos eles, nunca pensei em trabalhar com moda. Não há espaço para isso na minha vida. Já faço muitas coisas na arquitetura, no esporte e, agora, no cinema, algo que já nutria o desejo desde pequeno, mas não sabia a hora de começar. Não sei se já estou velho ou ainda jovem para entrar na indústria, mas quero ver no que vai dar.” Seu primeiro filme, “Agon”, pré-produzido em 2023 e finalizado no ano passado, retrata a preparação de três mulheres atletas de esportes de combate — esgrima, tiro ao alvo e judô — para disputar uma vaga em Jogos Olímpicos fictícios. O longa é protagonizado pela lituana Sofija Zobina e pelas italianas Yile Yara Vianello e Alice Bellandi, judoca, que emprestou sua experiência à personagem. “O filme fala sobre a contradição entre esporte e violência. Acho que, vista pelos olhos de três jovens mulheres, esse paradoxo fica ainda mais forte”, explica o Giulio. Ilda Santiago, diretora executiva do Festival do Rio, destaca a “coragem” visual do longa: “É uma obra contemporânea, com fotografia exuberante, bem trabalhada. Vejo o filme como um respiro diferente para o cinema italiano”. Críticas positivas ao filme, inclusive, fazem-lhe retirar, em certa medida, o “peso” de ser herdeiro de um dos maiores impérios da moda. “Meus pais me apoiaram, assistiram e ficaram orgulhosos”, relata Giulio. “Sou consciente de que tenho privilégios. Por isso, ponho sobre mim muita pressão para fazer algo bom e evitar que o preconceito de algumas pessoas seja validado. Antes da minha origem, deixo que meu trabalho fale por mim.”