Governo de Alagoas compra fuzis pelo dobro do valor oferecido pelo governo federal
Governo de Alagoas vai comprar fuzis 100% mais caros que o governo federal O governo de Alagoas realiza uma licitação para comprar 1.590 fuzis a R$ 10 mil cada arma. Esse valor é o dobro do obtido em um pregão internacional feito pelo governo federal há dois meses. Alagoas participou dessa concorrência realizada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), mas só pediu 200 fuzis. O resultado deste pregão foi publicado pelo MJSP em junho para a compra de 34 mil fuzis para a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e mais 26 estados, que decidiram participar da licitação. A proposta vencedora foi R$ 5.300 para fuzis de cano longo e de R$ 5 mil para fuzis de cano curto que totalizaram R$ 176 milhões. A Secretaria de Segurança de Alagoas informou que a licitação foi realizada com "absoluta transparência, rigor técnico e respeito às normas legais". A nota completa está ao final desta reportagem. Antes da licitação, cada estado informou ao governo federal a quantidade de fuzis que gostaria de adquirir. Alagoas pediu 200 dessas armas, sendo 50 de cano longo para a Polícia Civil e 150 de cano curto para a Polícia Militar. Pouco mais de 60 dias depois da publicação do resultado do pregão do governo federal, em agosto, o governo de Alagoas abriu um edital de licitação para a compra de 1.800 fuzis. Cerca de 9 vezes mais do que a quantidade solicitada à Secretaria Nacional de Segurança Pública. "Juridicamente isso não faz sentido. Na verdade, a administração pública, ciente de que há uma ata de registro de preço do governo federal, deveria chamar, convocar os chefes das polícias para apontar as necessidades, né? Olha, eu preciso de 1.500 armas. Esse seria o procedimento correto", afirmou o advogado Maurício Reis, mestre em Direito Constitucional. Para justificar o pedido de compra, acima do que foi feito ao governo federal pouco antes, o governo de Alagoas escreveu em um documento: "Para o crime organizado não existe limitação de armamento, nem de munição. Neste cenário de caos social, é urgente a necessidade de prover melhores condições de trabalho aos policiais civis e militares, em especial pela aquisição de armamento longo" Durante o processo de licitação de Alagoas, concorrentes contestaram na Justiça cláusulas consideradas muito específicas para os fuzis, e levantaram suspeitas de direcionamento do edital. Uma delas é a exigência de desmontagem manual, ou seja, sem ferramentas, de todos os elementos de manuseio e da tecla de segurança do armamento. Uma fabricante brasileira, a Taurus, alega que exigir a desmontagem manual inviabiliza a participação de empresas, restringindo indevidamente a competitividade. O que evidenciaria, segundo ela, o "claro direcionamento do edital para fabricantes localizados fora do Brasil". Já a Springfield Armory, fabricante internacional, questionou as limitações simultâneas do tamanho do cano e da arma. Segundo a empresa, apenas as dimensões totais do armamento devem ser levadas em consideração quanto ao melhor manuseio e a maior versatilidade em missões policiais. "Pelo que eu li do edital, pelo que eu li das impugnações das empresas, consultorias que participaram desse processo, e com as quais eu concordo, não faz sentido algumas exigências que foram colocadas. Uma que mais chama atenção é justamente a questão de ser um fuzil específico que teria como grande qualidade o fato de ele ser possível a sua desmontagem de forma manual, sem a utilização de ferramenta. Claro que isso pode ser utilizado pelo seu fabricante como uma qualidade, como algo diferente, um diferencial em relação às outras, mas não é algo que justificaria a escolha específica desse tipo de armamento", afirmou Roberto Uchôa, pesquisador da Universidade de Coimbra, em Portugal e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Até porque a desmontagem de um fuzil, ela é feita em ambiente controlado para sua manutenção, para sua limpeza. Então, claro. Pode facilitar o dia a dia do profissional, mas usar isso como justificativa para escolha de determinada arma, inclusive uma arma que não tem sido utilizada por forças policiais e outras instituições pelo planeta é algo que chama atenção", completou. Loja de airsoft A terceira contestação ao processo foi do advogado José Luiz Boanova Filho. Ele destacou que não houve cotação de preços junto a tradicionais e renomados fabricantes que nos últimos cinco anos vêm participando de licitações de armas desse tipo. Boanova Filho alertou que o governo de Alagoas encaminhou emails para lojistas, inclusive de lojas de caça e pesca e para dois fabricantes que não produzem o fuzil cotado. Uma das lojas era especializada em airsoft, uma arma de pressão. Na resposta ao email da comissão de licitação, a loja questionou: "vocês precisam de arma de fogo ou pode ser de pressão? Só trabalhamos com arma de pressão". "Essas aquisições, que são aquisições especiais, que não são aquisições do dia a dia, obviamente elas deveriam, os pedidos de cotação deveriam ter sido direcionados diretamente aos fabricantes, aos fabricantes das armas e não as empresas de caça e pesca e outras empresas de comercialização de outros produtos, né? é uma compra muito específica, ela deveria ter sido direcionada diretamente aos fabricantes de armas, que também não são muitos, mas também são bem conhecidos", disse Maurício Sardinha Menezes dos Reis, mestre em Direito Constitucional. No começo desse mês, uma comissão técnica do governo de Alagoas esteve na Áustria para acompanhar os testes do fuzil, que é novo no mercado. "Na verdade, todo armamento quando ele é desenvolvido, passa por uma série de testes anteriores à entrada no mercado e também continua passando por esses testes para comprovar a qualidade do produto. A indústria Glock é conhecida mundialmente pela fabricação de pistolas - inclusive tem até estudos falando sobre a midiatização dessa marca, então, criou-se uma aura diferenciada nessa arma, que a gente viu também no Brasil recentemente, quando houve a abertura do mercado e muita gente queria adquirir as pistolas Glock. Mas nesse mercado de armas longos, como a gente viu, ela não tem essa tradição", contou Roberto Uchôa que complementa: "E a escolha de uma indústria que não tem tradição nesse tipo de armamento em prejuízo de outros modelos de indústrias que já são testadas há muito tempo, utilizadas por forças armadas de diversos países, forças policiais que têm um histórico, inclusive cujas forças policiais já são treinadas para a sua utilização e tudo mais chama atenção. Porque quando se escolhe o modelo novo, a gente não está falando só da inovação. A gente está falando também de custo. Não só os custos para a aquisição das armas, mas os custos para treinar quem vai utilizar essas armas, treinar para quem vai fazer a manutenção. Você ter que adquirir novas peças para reposição, quer dizer, é uma nova estrutura de armamento. E para o que a gente vê hoje não teria essa necessidade, porque há escolhas no mercado que poderiam suprir essa necessidade", avalia o pesquisador. O que dizem os citados Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas declarou que "a licitação para a compra dos fuzis está sendo conduzida com transparência, rigor técnico e respeito às normas legais Veja a nota completa: "Em relação aos questionamentos sobre o processo licitatório em curso para aquisição de novos equipamentos e armamentos, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas esclarece que todo o procedimento está sendo conduzido com absoluta transparência, rigor técnico e respeito às normas legais. É importante destacar que o Governo de Alagoas tem como prioridade a aquisição de equipamentos com qualidade e segurança ao melhor custo-benefício. O edital prevê critérios objetivos e essenciais, especialmente no que diz respeito à qualidade, segurança e praticidade dos armamentos que serão utilizados pelos agentes de segurança pública. No certame em questão, a empresa vencedora foi desclassificada por não apresentar a documentação exigida para o prosseguimento do processo. Em cumprimento a procedimento obrigatório da Agência de Modernização da Gestão de Processos (Amgesp), a segunda colocada, uma empresa austríaca, foi considerada para apresentar as amostras e submetê-las aos testes. Acerca da viagem à Áustria, conforme previsto no edital, os armamentos devem passar por uma bateria de testes técnicos e operacionais, realizados com rigor e imparcialidade. Caso os equipamentos não atendam aos padrões exigidos, o processo será reavaliado e poderá ser estendido a outras empresas, sempre com base nos critérios estabelecidos em edital. Cabe ressaltar que Alagoas é referência nos procedimentos licitatórios visando a aquisição de equipamentos e insumos para as forças de segurança e sempre preza pelo princípio da economicidade. A Secretaria reafirma seu compromisso com a legalidade, a transparência e a excelência na prestação dos serviços de segurança pública à população alagoana". Os representantes da Glock no Brasil informou: "por uma questão de compliance, não nos manifestamos sobre informações que não sejam oficialmente emitidas pela Glock ou pela Administração Pública" .