
Decisão do tribunal de Haia abre nova frente de ação pelo clima, dizem especialistas
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, emitiu no fim do mês passado uma decisão que não está atrelada a uma sentença, mas pode mudar a dinâmica de como os países tratam o combate à crise do clima. Em um parecer consultivo solicitado pela Aliança de Pequenos Estados-Ilha (Aosis), reforçado por um pedido aprovado na Assembleia Geral da ONU, o tribunal respondeu no mês passado a questionamentos sobre a validade do direito internacional para tratar do aquecimento global. No documento, os juízes afirmam que sim, os governos têm obrigação formal de combater as mudanças climáticas, incluindo a regulamentação de atores privados em seus territórios. A corte decidiu também que os países deve ser responsabilizados legalmente se não tomarem as medidas necessárias para limitar suas emissões de gases de efeito estuga, ainda que tenha deixado menos claro como isso pode ser feito. Segundo os juízes de Haia, há uma série de obrigações das nações que tem o statos "Erga omnes", ou seja, são obrigações de todos os governos soberanos do planeta. "Todos os Estados têm um interesse comum na proteção dos bens ambientais globais, como a atmosfera e o alto mar", afirma o texto do parecer. "Consequentemente, as obrigações dos Estados relativas à proteção do sistema climático e de outras partes do meio ambiente contra as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa, em particular a obrigação de prevenir danos transfronteiriços significativos, de acordo com os princípios consuetudinários internacionais, são obrigações Erga omnes." Algumas das obrigações apontadas no documento são da classe "Erga omnes partes", ou seja, dirigidas apenas aos Estados-membros signatários de algum tratado relevante. Além de citar a Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), o documento dirige esse dever também aos países aderentes ao Acordo de Paris para o clima, do Protocolo de Montreal para proteger a camada de ozônio e diversos outros tratados na área. Com o enfraquecimento de Paris, do qual o maior emissor histórico de carbono, os Estados Unidos, estão prestes a desembarcar, a entrada da CIJ no jogo do clima é vista com bons olhos por diplomatas e ambientalistas. A medida abre um caminho para não apenas pressionar entes americanos a agirem, mas também para a sociedade civil realizar pressões internas em outros países que não têm cumprido suas promessas de corte de emissões de CO2. Na opinião de Helena Rocha, co-diretora de programa de Brasil no Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), com a decisão o direito internacional passa a ser uma frente de combate ao clima, em fez de uma oportunidade para subterfúgios no cumprimento de tratados. — Muitos estados, quando se posicionaram perante a corte no período de consulta, falavam que esses tratados emitiam recomendações, que eles eram orientações, e que não existiria uma obrigação legal de cumprimento daqueles requisitos — afirma a advogada. — Agora, o que se esclareceu em Haia é que existe essa obrigação legal e que o não cumprimento dessas obrigações gera consequências. Sutileza policial Quais são essas consequências e como aplicá-las, porém, são a parte mais complicada para a CIJ. — É muito complexo avaliar isso quando se trata da decisão de uma Corte que não tem poder de polícia — diz Paulo Busse, advogado do Observatório do Clima, maior coalizão de ONGs ambientais do Brasil. — Se os Estados Unidos, por exemplo, tiverem um presidente como o Trump é agora, que nega a mudança climática, está saindo do Acordo de Paris e se recusa a cumprir qualquer coisa, qual autoridade internacional vai obrigar os EUA a agir diferente? Busse, que já venceu uma ação em nome de jovens ativistas no Brasil em 2022 para obrigar o governo a corrigir sua meta de cortes de emissão, afirma que o principal diferencial do parecer da CIJ será em assuntos domésticos, mas não no Brasil. — Essa decisão é mais importante para países que não têm o sistema jurídico que o Brasil tem, começando pelo artigo 225 da Constituição e passando por uma série de leis e instrumentos para proteger o meio ambiente — diz. Para Christopher Bartlett, chefe da diplomacia climática do pequeno país-ilha de Vanuatu e um dos articuladores do movimento pelo parecer em Haia, um dos trunfos da decisão em Haia é que ela não se restringe apenas a signatários de acordos. — Nós pedimos aos juízes que examinassem todo o direito internacional e as formas como as obrigações em relação às mudanças climáticas se vinculam a esses diversos tratados — afirma o diplomata. — Portanto, o fato de um Estado se retirar de apenas um tratado não significa que ele tenha perdido suas obrigações em relação às mudanças climáticas sob os outros tratados dos quais ainda faz parte. Segundo Rocha, do Cejil, um aspecto importante do parecer diz respeito à munição que ele oferece a advogados para ancorar suas argumentações, uma forma mais sutil de poder. Em um mundo onde o ceticismo climático ainda sobrevive, às vezes as convicções pessoais de juízes podem levá-los a crer que a queima de petróleo nos EUA nada teria a ver com a elevação do nível do mar em Vanuatu. Com Haia conferindo peso jurídico à ciência do clima, isso fica mais difícil. — O parecer define quais os parâmetros as prova de causalidade requerem, que eram questões que eram ainda bastante questionadas, inclusive nos tribunais — explica a advogada. — Isso abre um novo caminho, com pautas mais claras e com parâmetros mais nítidos, sobre o que pode ser exigido dos Estados.